A Deus o que é de Deus
Da lista de párocos que serviram a paróquia da freguesia da Serreta, desde que a freguesia é tida como tal (janeiro de 1862) até à data comemorativa do seu século e meio, contabilizo um total de dezassete párocos (também chamados de Vice vigários, Vigários e Reitor). Chama-me a atenção o segundo, cujo nome era João Guilherme da Costa, que esteve de setembro de 1863 até janeiro de 1874 (10 anos e três meses).
Em pesquisa bibliográfica encontrei o seguinte: “Transferido para a Igreja Paroquial de São Pedro dos Biscoitos - 1874 a 1879. Vítima de ataque apoplético, sucumbiu instantaneamente em 14 de Setembro de 1879, quando percorria a Serreta, integrado na procissão da Senhora dos Milagres, conduzindo o Santo Lenho, sob o pálio”.
Portanto, em setembro de 2012 fará 133 anos que tal tragédia se deu. É óbvio que não sou desse tempo mas ouvi os ditos que foram sendo transmitidos de geração em geração. E não tendo a exata noção do que se passou, conta-se que este pároco tinha adquirido os terrenos da praça do Pico da Serreta e alguns circundantes e os colocara em seu nome, o que após a sua morte seriam para os seus familiares. Acontece que, como foi transferido para a Igreja Paroquial de São Pedro dos Biscoitos, ficaram a saber-se desses negócios e, mais ainda, ele não queria permitir que se dessem toiros na tradicional segunda-feira do Pico da Serreta, uma vez que os terrenos eram sua propriedade e, logicamente, os mordomos da festa da Senhora dos Milagres não tinham aval para concretizar o que tinha uma continuidade histórica. Então, o que sucedeu para inverter tal decisão?
Em plena procissão da Senhora dos Milagres, em setembro de 1879, sucumbiu mesmo em frente à praça da Serreta, onde passava debaixo do pálio, conduzindo o Santíssimo. Os familiares, após a sua morte, deixaram o que era da Senhora para a Senhora e as festas taurinas prosseguiram até aos dias de hoje, sem que mais ninguém se atrevesse a tomar por seu o que era de todos, sob o desígnio da devoção à Senhora dos Milagres.
Julgo que na época atual há uma comissão que toma conta dos dinheiros obtidos por promessas e outras receitas próprias da comunidade paroquial, bem como zela pela claridade das contas, fugindo à titularidade pessoal.
Com isto, apenas me apetece concluir com o seguinte pensamento: não ouse o homem apoderar-se do que é divino. Não ouse o homem danificar a tradição e a devoção, ou rituais que estão consignados a determinadas localidades. Deus é Amor, Deus não castiga! Deus mostra-nos o Caminho, a Verdade e a Vida. Há sinais que são autênticos avisos e que marcam diferentes épocas, permanecendo na memória coletiva e jamais se podem contrariar.
Por esta e por outras marcas memoráveis, é que estou em crer que jamais algum ser mundano ousará tirar a Serreta do quadro regional de Freguesia. A Senhora dos Milagres quis aquele lugar, quis aquele Altar e, certamente, quererá que o seu culto seja mantido até ao último Tempo dos Tempos.
Há que aprofundar este episódio, tal como se vão aprofundando algumas alegrias e outras tristezas que fazem parte da comunidade serretense.
Rosa Silva (“Azoriana”)