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Açoriana - Azoriana - terceirense das rimas

Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana). Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1

Criações de Rosa Silva e outrem; listagem de títulos

Em Criações de Rosa Silva e outrem
Histórico de listagem de títulos,
de sonetos/sonetilhos
(total de 1006)

Motivo para escrever:
Rimas são o meu solar
Com a bela estrela guia,
Minha onda a navegar
E parar eu não queria
O dia que as deixar
(Ninguém foge a esse dia)
Farão pois o meu lugar
Minha paz, minha alegria.
Rosa Silva ("Azoriana")
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Com os melhores agradecimentos pelas:
1. Entrevista a 2 de abril in "Kanal ilha 3"

2. Entrevista a 5 de dezembro in "Kanal das Doze"

3. Entrevista a 18 de novembro 2023 in "Kanal Açor"

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Amarrotada na estrada! (6)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

O almoço não sei se vos diga se vos conte. Foi um almoço de reis. Vinho do melhor que há, reserva de 1900 e poucos, marisco de entrada, prato de peixe, prato de carne, sobremesa a condizer e para finalizar um café e digestivo.

Como a bebida ia escorregando bem, no final até a Clarisse bebeu uma aguardente velha.

No meio de risos e algumas gargalhadas sobre anedotas sem graça alguma, houve algum tocar de mãos entre ambos. A princípio, como se fosse um choque elétrico separavam mas, aos poucos isso foi deixado para trás.

Belarmino estava confuso. Aquela roupa preta que ela trazia parecia-lhe a que tinha visto na webcam quando tinha falado com a Eugénia on-line, mas devia ser efeito já do vinho. É certo que o que daqui vejo (já que o decote era um pouco ousado) parecem-me os peitos dela. Será? Não, eu vi a cara e era a dela e não a da Clarisse – pensava o Belarmino para si.

- Olha Belarmino, tenho uma pequena confidência a fazer-te. – Disse a Clarisse.

- E qual é essa confidência? Não me digas que estás interessada em mim – respondeu o Belarmino com uma gargalhada de lá de dentro.

- Quem sabe? – Respondeu ela.

Com um ar de galã e atrevido, perguntou-lhe logo de seguida:

- Então o que sugeres?

- Podemos ir para outro lugar... Conversarmos mais um pouco num ambiente mais familiar, que achas? – Respondeu ela já com um ar de atrevida.

O almoço já ia prolongado, já passava das três da tarde. Belarmino pediu a conta e quando chegou o ticket, reparou que os números eram um pouco altos mas pensou: Perdido por cem, perdido por mil. Que se lixe a conta. Tirou da sua carteira um cheque e, mesmo sabendo que não tinha cobertura, preencheu-o e entregou ao empregado acompanhado de uma gorjeta generosa.

Saíram ambos porta fora. Como ela não tinha levado o carro, naturalmente que foram no carro dele.

Pelo caminho, Clarisse ia afagando a perna direita de Belarmino e este não sabia o que fazer...

 

Entretanto, uma notícia que chocou a população local...

A Dory faleceu esta manhã vítima de complicações cardíacas, após um aborto clandestino. Segundo informação do médico de serviço, Dory deu entrada no Hospital por volta das duas da manhã com paragem cardiovascular. Foi levada à urgência do Hospital por um indivíduo do sexo masculino que informou o polícia de serviço, ter encontrado o corpo desfalecido na berma da estrada a poucos metros do Hospital. Segundo a mesma fonte, e após autópsia, podemos dizer que Dory deixa este mundo vítima de complicações cardíacas após uma péssima intervenção de um aborto, mais um, clandestino.

Paz à sua alma. Não deixa filhos nem dívidas. O funeral realiza-se amanhã a meio da tarde... [Pausa}

 

O narrador:

Neste palco surpreendente, fechou-se o pano perante um vale de lágrimas difícil de conter... Mas teve que ser... Escusado será dedilhar as cenas de um funeral. Nem é isso que interromperá a história que se adivinha ainda mais virtual... Porque qualquer semelhança com a vida real é uma incrível de uma coincidência!

Passaram-se cinco longos meses desde o fatal acontecimento. Estamos em Junho de 1998.

Os próximos eventos seguir-se-ão em novo artigo que se intitula "Amarrotada na estrada - II".

 

A história entre Belarmino e Clarisse continua... A D. Belmira ficara adoentada e de vez em quando fecha-se no quarto. O Ermelindo deixou crescer barbas e cabelo bastante. Estava lindo... E alguém notou isso...

A Eugénia ficou-se embarcada e ninguém mais se preocupou com isso...

A D. Clarisse é que está melhor que nunca... Já não veste preto. Veste roupas de último grito... E nem aparenta cinquenta anos... Está uma jovem...

Ideia original: Azoriana

Participantes: Ailaife Blog; Frases e Poemas; Fernão Capelo Gaivota; Pé de Vento.

Narrador: Azoriana / Açoriana

© 2005 Rosa Silva ("Azoriana")

Amarrotada na estrada! (5)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Eugénia, com a sua minissaia justa e a sua blusa de decote ousado, deixando à vista um pouco dos seus saudáveis peitos, já preparada para sair ao encontro de Belarmino, recebe um telefonema.

- Boa tarde, estou a falar com a senhora Eugénia Maria Vale da Pinta? Daqui fala do Centro de Oncologia de Lisboa. – Disseram do lado de lá.

- Sim? – Respondeu a Eugénia.

- Olhe, desculpe ser tão em cima da hora, mas a sua consulta que estava para ser daqui a duas semanas, foi antecipada para amanhã de manhã pelas 09:00 aqui do Centro. - E agora minha senhora, como irei, se o voo de hoje é já daqui a uma hora e não tenho passagem marcada? – Perguntou.

- Como temos conhecimento dessa situação, os Serviços daí já providenciaram essa passagem. É só ir para o aeroporto o mais rápido possível.

- Sim senhora.

 

Desesperada, não só por causa da consulta ter sido antecipada, o que trazia água no bico, mas também, porque estava decidida a tomar uma decisão em relação ao Belarmino, resolve telefonar para a sua amiga e confidente Clarisse, que por razões que a própria razão desconhece era a prima da mulher dele, vinda há algum tempo do estrangeiro com uma avultada quantia na conta bancária.

- Está... Clarisse? Sou eu a Eugénia. Vou ter que ir para Lisboa daqui a pouco por causa daquelas radiografias que tirei há um mês. Não deve ser boa coisa por certo, mas como sou otimista, tudo irá resolver-se por bem.

- Ó minha amiga, mas então que tens tu? – Perguntou a Clarisse.

- A pessoa que me telefonou não adiantou muita coisa mas não é por isso que te estou a ligar. É que fiquei de me encontrar com o Belarmino daqui a pouco e agora, apesar de ser o meu desejo, não posso ir. Vou passar por aí e deixar-te um bilhete para lhe entregares. Podes fazer-me esse favor? Depois digo-te onde era o encontro.

- Claro que sim, minha Amiga, é o mínimo que te posso fazer. Deixa que eu vou ter com ele e tento explicar-lhe a razão.

- Não! Não lhe digas nada, não quero que fique preocupado, por ora. – Pediu a Eugénia.

 

Já passavam alguns minutos depois da hora prevista e o Belarmino já estava em pulgas. Já imaginava o que lhe iria dizer, o que lhe iria propor e, ela tardava em chegar.

- Belarmino? Boa tarde – disse a Clarisse quando chegou ao pé do Belarmino.

- Clarisse? – Perguntou ele com ar espantado por a ver.

- Sim, sou eu, qual o espanto? Não estavas à minha espera presumo?

- Não, por acaso não, mas não faz mal. Também vens almoçar?

- Pode ser se me convidares! – Disse ela com um sorriso malandro.

- Sabes... Estava à espera de outra pessoa... – Respondeu timidamente e um pouco envergonhado.

- Eu sei, da Eugénia! – Disse-lhe ela.

- Como é que sabes? – Perguntou-lhe ele já com o rosto todo vermelho de vergonha.

- Tem calma Belarmino. Eu sei o que se passa entre ti e ela, mas da minha boca nada sairá. Somos amigas já há longos anos e sei guardar um segredo. A Belmira nada sabe nem nada saberá, está descansado. Posso-me sentar então?

- Claro que sim e desculpa o meu espanto – respondeu ele e apressou-se a levantar para a ajudar a sentar-se.

- Mas onde é que ela está? – Perguntou depois.

- Teve que ir com alguma urgência para Lisboa, nada de grave, pelo que sei, mas nesta carta que ela me deu, deve tirar-te as dúvidas que tens.

- O que queres comer então, já que estamos os dois aqui? – Perguntou-lhe Belarmino.

Belarmino abre o envelope, com cheiro a perfume bom e subtil, como imaginava que seria o cheiro da sua Eugénia, a sua Kamala dos olhos doces.

“Meu querido Belarmino,

Escrevo-te estas poucas linhas com o coração despedaçado, pois após alguns meses de amizade, simpatia, carinho e alguns sentimentos mais profundos que nutro por ti, precisamente neste dia em que queria falar abertamente contigo, não o posso fazer, por razões agora que não vêm a propósito, mas que em nada muda o que por ti sinto, fica descansado... Meu tolo das bicas.

A razão que me levou a ausentar fará com que não saiba a data do meu regresso mas, estarás sempre no meu pensamento e no meu coração.

A pessoa que te deu esta pequena carta, mais que conhecida de ti, sabe guardar segredos e como tal, não te preocupes com o que quer que seja.

Despeço-me por agora, com um beijo profundo no canto da tua boca.

(baton no centro da carta)

Da tua Eugénia.

(Continua)

Amarrotada na estrada! (4)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Entretanto na moradia dos Estrela, Ermelindo finalmente surge espreguiçado e um bocado tonto.

- Ermelindo! O que é isto!?

- É um papel... Respondeu ele, nas calmas de uma ressaca monumental da secura na garganta, à pergunta intempestiva da D. Belmira.

- Um papel!? Meu filho é uma ameaça para ti... Que andas tu a fazer nas nossas costas?

- Mãezinha, o que é isso? Eu não fiz nada... Aliás, tenho de sair. A Dory quer falar comigo. Estou atrasadíssimo...

- Não, Senhor! - Ordena ela num tom brusco e explosivo - Não sais enquanto não me explicares o que isto significa...

Ermelindo já não suportava o inquérito policial da mãe. Agarrou no papel e olhou-o fixamente, lendo-o de alto a baixo:

- Mãe! Este Ermelindo não sou eu!

 

O Ermelindo ao dizer isto à mãe saiu porta fora para ir ter com a Dory. Foi encontrá-la no lugar preferido deles, um monte perto de um lugar onde o sol estava a brilhar e uma pequena brisa fazia esvoaçar os cabelos longos e sedosos de Dory.

Chegou perto da Dory e ela perguntou:

- Ermelindo, quem era aquela mulher?

- Oh, querida! Era apenas uma pessoa que estava no bar com quem eu falei enquanto esperava por ti.

Ela olhou para ele com olhar envergonhado e ele deu-lhe um beijo que a deixou quente de forma a responder ao mesmo.

Clarisse da Purificação viu este beijo e foi embora. Ermelindo levou então a Dory para o lugar secreto deles e diz-lhe que a mãe descobriu a carta mas não sabe se a conseguiu despistar.

 

Durante três longas noites Belarmino quase não dormia. A mulher ia-lhe perguntando o que se passava, já que o seu desassossego era notório.

- Nada mulher, coisas do serviço – dizia.

Lá no seu interior mais recôndito, ia pensando na Eugénia, no que lhe tinha dito, no que tinha visto e desejado, ao mesmo tempo que, olhava para quem ao seu lado estava e lhe tratava de tudo. No fundo, em momentos efémeros, até sentia algo por ela mas seria o que sentia agora pela Eugénia?

Ao terceiro dia resolveu ir falar com o filho, uma daquelas conversas de “atirar verdes para colher maduras”.

- Olha lá filho, aquela tua amiga... A tal de... Ifigénia ou lá o seu nome, que faz ela? – Perguntou.

- Ifigénia? – Não será Eugénia? – Respondeu.

- Aquela que me apresentaste no café, talvez seja esse o nome.

- O nome dessa é mesmo Eugénia. Trabalha num consultório de advogados ali para os lados da zona fina da cidade. Porquê?

- Por nada em especial. É que ontem estive no aeroporto, e pareceu-me ser ela que ia embarcar com um senhor todo bem-posto para Lisboa – Respondeu sem intenção de continuar.

- Não deve ser então ela Pai. Ela, além de ser solteira, não tem ninguém de momento, que eu saiba é claro.

- Tudo bem filho, deve ter sido mesmo impressão.- Respondeu como quem mais nada quer saber.

Com esta informação, algo preciosa para ele, e já no serviço pôs-se on-line para falar com a Eugénia.

Ela foi a primeira a teclar.

- Olá! Bom dia Antonino das Bicas...rss – disse ela.

- Bom dia...minha Kamala. – Respondeu.

- Então, como vai tudo pelos teus lados? - Perguntou ela.

- Já tomei uma decisão, e queria dar-ta mas, teria que ser frente a frente, ao vivo. – Disse.

- Quando e onde? – Perguntou ela?

- Sabes aquele restaurante ali para os lados do jardim, com esplanada? Às 13:00 lá. Pago o almoço.

Belarmino, todo boneco lá chegou ao tal restaurante 15 minutos antes da hora. Nervoso, lá pediu uma mesa com vista para o mar.

- Mesa para dois – disse.

Eugénia, depois de um banho relaxante, no meio de espuma de sais de banho, perfumou-se, arranjou-se, retocou o baton e o risco nos olhos. Saiu porta fora toda exuberante, como se este dia fosse ser o primeiro do resto da sua vida.

Belarmino, pacientemente, aguardava pela chegada da Eugénia. Já tinha, entretanto, bebido um Martini seco.

(Continua)

Amarrotada na estrada! (3)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Estamos no dia 26 de Janeiro de 1998. A manhã até está bonita. Apenas naquela casa mora um silêncio aterrador. Ermelindo dorme profundamente. Os pais é que estão numa ansiedade medonha...

Antonino das Bicas, como era conhecido, mas seu verdadeiro nome era Belarmino Estrela. Belarmino, agora com 49 anos de idade, filho de uma família rigorosa onde o seu pai tinha sido militar de carreira, por detrás do seu ar autoritário e severo, deleitava-se com algum prazer e luxúria nos chats, local onde era mais conhecido por António ou Antonino das Bicas, este último porque ele tinha uma tristeza de morte de não morar numa zona da cidade que dá por esse nome. Até chegou inclusivamente, a ter um pequeno caso on-line.

Ele sabia que o filho também navegava na net, ou não fosse ele um entusiasta do meio e o primeiro a ter ensinado-o. No momento em que a sua esposa e concubina lhe lera a carta, lá no fundo do túnel acendeu-se uma pequena luz. Em tempos o seu filho tinha-lhe apresentado uma amiga, mais velha cerca de 10 anos é certo, mas não deixava de ser amiga por isso. O pior foi o brilho nos olhos dela quando viu o pai dele.

Essa amiga, de nome Eugénia, tinha uns olhos de um azul profundo que transmitiam paz, calma e amor, coisa que nunca tinha visto nos olhos da sua mulher. Pudera, tinha sido um casamento de conveniência, como tal, essa sensação até esta altura tinha sido apenas uma miragem.

Ermelindo conhecido nos chats como o "cupido" nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1968. Estava à beira dos trinta anos e seus pais planeavam uma festa de arromba. Belarmino já fizera os seus 49 anos no dia 15 de Janeiro e D. Belmira fizera 52 no dia 5 deste mesmo mês. Houve festa animada para os dois. Agora convinha preparar a do filho e juntar também as amigas prediletas, em especial, a Dory que nascera no mesmo dia de Ermelindo mas do ano de 1966. Completaria assim os seus 32 anos.

Claro que seria convidada também a prima imigrante, Clarisse da Purificação, que nascera a 17 de Janeiro de 1948. Nesta data já completara os cinquenta anitos. Esta mulher voltara da Suíça com uma avultada fortuna e numa tristeza profunda. É que ela apanhou o marido na cama com outra e tratou de limpar-lhe o sebo e a fortuna e regressou para a sua terra... Nem mais! Só se sabia, pela consternação fingida dela, que o marido tinha tido um ataque cardíaco. Vestia-se toda negra, coitada! A dor era tal que os gatinhos é que a animavam nas horas de infelicidade, eram a sua companhia... Só que ela tinha um segredo, que nem os gatos sabiam...

 

Belarmino, como já se disse, era adepto dos chats, ainda que a sua mulher nem desconfiasse, já que quando se falava no assunto, na cumplicidade com o filho, ele nada sabia nem fazia intenção de perceber.

Foi numa destas conversas que ele conheceu a Eugénia, aliás, conhecida no meio por Kamala. Kamala, para quem não sabe é a mulher que leva Sidarta (o Buda de Herman Hesse) a deixar de buscar o Nirvana, sua elevação espiritual para viver dias de glória e conhecer o amor carnal... o delicioso amor carnal.

Assim, conversa puxa conversa e começaram a falar a sós no MSN.

Eugénia, nas suas conversas tidas com o Belarmino, dava jus ao nick escolhido. Toda ela transpirava sensualidade, desejo, ardor, paixão e isso, era o que Belarmino queria sentir nos seus braços, no calor dos lençóis de uma cama.

Belarmino começava a passar cada vez mais tempo no seu trabalho para poder falar mais com ela. Dia para dia, o trabalho aumentava, dizia ele à sua mulher, até houve alguns dias em que o seu colega de trabalho tinha estado doente, e como tal, tinha ficado tudo para ele, originando que chegasse a casa perto da meia-noite, mas nada que a mulher desconfiasse, já que ele sendo inspetor do SEF, por vezes isso acontecia.

No meio dessas conversas, picantes por vezes, o “nosso” Antonino das Bicas, dava-se conta que devia conhecê-la, não sabia era de onde ou quem seria mas, podia ser só impressão sua. Aos poucos a sua vida foi sendo posta a nu ali para ela e ela, também se ia abrindo para ele, sobre a sua vida, os seus sentimentos, os seus anseios ou as suas dúvidas.

Um belo dia, ela sugeriu terem sexo ali.

- Sexo aqui? - Perguntou ele.

– Sim, virtualmente falando, meu querido Antonino. Conversamos como se estivéssemos juntos. É tão fácil e aguçará o teu apetite por dias melhores.

É claro que ele não se fez rogado, começou logo com outras palavras, mais ousadas é certo, até que ela lhe disse:

- Espera! Vou-te fazer uma surpresa. – Disse ela.

Qual não foi o seu espanto, quando uma mensagem apareceu no seu monitor a pedir para aceitar um convite para adicionar uma webcam.

Afinal, meses passados, ela resolveu revelar-se – Pensou ele. Aceitou, como seria de esperar.

Quando começou a ver a primeira imagem, o seu coração rejubilou de alegria, porque aqueles olhos de um azul profundo que transmitiam paz, calma e amor, coisa que nunca tinha visto nos olhos da sua mulher, eram olhos conhecidos.

São os olhos da Eugénia – pensou.

- Eugénia? – Perguntou.

Depois de um longo silêncio, apesar do frenesim no teclado de cá para lá e de lá para cá, onde realmente, mesmo à distância, houve amor, paixão, ardor e, porque não dizê-lo tesão, com imagens insinuantes e provocantes ela respondeu a essa pergunta.

- Sim, sou eu.

Cansado dos dedos, perguntou-lhe:

- Então, porque nunca te identificaste?

- Porque desde que o teu filho nos apresentou, fiquei sempre a pensar em ti mas, tinha receio que ao saberes quem eu era, não mais quisesses falar comigo ou, chegar ao ponto que chegou. E agora que sabes quem sou o que me dizes? – Perguntou ela.

Belarmino, que também nunca tinha esquecido esses olhos, fetiche para ele, ficou sem saber o que lhe dizer. Na sua mente mil e uma imagens passavam à velocidade da luz. Pensava no que diria o seu filho, já que ele é que os tinha apresentado. Pensava naquelas curvas insinuantes que tinha visto no monitor, e na vontade desalmada que tinha em a possuir num vale de lençóis de cetim numa noite de lua cheia. Pensava na sua mulher, que para além da roupa e da comida, deixava a desejar um pouco. Pensava, pensava, pensava...

- Não me respondes? – Perguntou a Eugénia.

- Vou ter que pensar um pouco, a sério que sim. Não estou a fugir, nem tão pouco a dar-te um fora, mas preciso de tempo para assimilar isto tudo. A realidade e a virtualidade da situação, compreendes-me, não compreendes?

- Claro que sim... Belarmino posso tratar-te pelo verdadeiro nome agora, não posso? Depois de uma pausa respondeu:

- Sim, claro que sim, já não faz sentido o inventado.

- Olha, Belarmino, quero que saibas que não tenho estado a brincar contigo, a sério que não. Também quero que saibas que entre mim e o teu filho, nunca houve nada nem tão pouco irá saber o que quer que seja daqui, aliás, soube o teu nick, não por ele, mas sim por um colega teu, aquele que faleceu há meses atrás no aeroporto. Dou-te uma semana para me dizeres algo, achas razoável?

- Sim, acho. Um beijo então.

- Outro, agora na boca... rss – respondeu ela.

(Continua)

Amarrotada na estrada! (2)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Antonino das Bicas era o nome por quem era conhecido o "dono" desta recatada família. Tinha 49 anos e era mais novo que a esposa três anos. Viviam aparentemente felizes numa casa de três andares. Um dos andares estava arrendado a uma senhora elegante na casa dos cinquenta, que se dizia prima da D. Belmira Estrela. Tivera muitos anos no estrangeiro e voltara com uma avultada fortuna.

Enquanto não arranjava casa própria, a prima, D. Belmira, tratou de lhe destinar um andar da casa. Clarisse da Purificação (pura, só após o duche e durante breves segundos!) ficou radiante com esta gentileza da prima Belmira. Só havia um pequeno problema: a demora na escolha de nova residência por parte de Clarisse... Estava difícil encontrar casa para morar um pouco mais além. É que o "aquém" estava-se a tornar inquietante. Os gatinhos eram os bichinhos de estimação da senhora e provocavam alergia a Belmira, que evitava tudo por tudo contactar de perto com os "bonitos bichanos".

O marido, Antonino, já várias vezes protestara contra esta invasão. Esta "prima" tinha de seguir seu rumo...

 

Sem saber de nada do que se passava com os pais, lá ia no seu rumo certo. Ermelindo, todo janota, com seu blusão cinza de gola alta, calças pretas, gorro, luvas e um casaco de cabedal (sim... porque esta farda já tinha habituado o olhar de toda a vizinhança!). O seu destino era o bar junto ao mar, que tanto o animava nas horas frias de um inverno de almas. Baixinho ia cantarolando, porque só tinha ouvido para a canção porque, de resto, a voz tinha ficado entalada nalgum armário das bolachas (em pequeno gostava muito de roubar a sua bolachinha às escondidas da mãe):

- Lá, lá, lá, lá...na, na, na, na... Estou à beira-mar... Está um frio de rachar... Acho que minha mãe vai ralhar... Por chegar tarde ao jantar... Lá, lá, lá, lá... na, na, na, na...

Qual não foi a sua felicidade quando avistou uma moça sentada na mesa do bar. Olhou de relance mas não fez muito reparo. Seguiu até ao balcão e pediu um café e cigarros. Sentou-se no banco junto ao balcão e acendeu o primeiro cigarro. Depois outro... E mais outro... E de repente olha e não viu a moça. Para onde teria ido ela? Nem viu o "garçon" recolher os trocados das mãos de tão fino ser...

Ficou pensativo e ao mesmo tempo uma névoa da tristeza embalou o pensamento. Ah! Voltou... Afinal tinha saído por uns leves momentos de arejo de alguma onda.

Ela sentou-se à mesinha e notou aquele olhar azul, da cor do sonho, vigiando o dela... Sentiu-se corar, mas manteve a pose elegante e um sorriso escapou-se-lhe por entre uns lábios carregados de uma pintura sábia. Apercebeu-se que Ermelindo não tirava os olhos dela. Já estava a ficar embaraçada mas eis que de um rompante, levantou-se e foi direta ao balcão:

- Posso saber porque me olha tanto?

Ele não esperava esta reação e sentiu um calafrio:

- Eu? Eu... Bem, eu estou esperando uma amiga. Ficou de encontrar-se comigo aqui neste bar. Já está a passar da hora... Deve ter-se atrasado ou então não pôde vir. Detesto esperar... Oh! Mas desculpe... De certeza estou a falar demais... Perdão!

Ela, sentiu os pés estremecer e retorquiu:

- Não precisa pedir desculpa. Eu também já me cansei de esperar um amigo que combinou aqui estar... Disse-me que era pontual e até agora nada...

Ambos olham-se de novo... (silêncio que baste para três ou quatros moscas voarem de um lado ao outro). Quem primeiro quebrou o gelo foi Ermelindo:

- Ah! Peço desculpa... Nem me apresentei. Meu nome é Ermelindo.

À segunda-feira Dory, não trabalha no restaurante. Faz folga semanal. Por isso, saiu do emprego e foi dar uma volta até à beira mar. O ambiente no emprego de pronto a vestir anda muito mau. A crise é geral. Estava frio mas ela precisava de apanhar um pouco de ar e pensar na vida. Perdeu-se em pensamentos…e eis que de repente repara que Ermelindo está de papo feito com outra mulher…

Perdeu a noção do tempo e reparou que estava atrasada para a visita semanal que fazia à mãe todas as segundas feiras, dia de folga no restaurante que ela é sócia/trabalhadora e que quase sempre aproveita para um encontro com Ermelindo. A mãe, viúva há muitos anos, vivia no centro da cidade. Uma casa enorme que acabou por comprar quando recebeu a indemnização aquando da morte do marido por acidente de trabalho. Todas as segundas feiras a história era a mesma: “Filha, porque não vens viver comigo?” ”És filha única… eu não preciso desta casa tão grande… tão sozinha” …

Ermelindo continua a falar com aquela mulher… Cheia de ciúmes Dory sai daquele local rapidamente.

Ermelindo estava distraído a falar com a moça, e viu de relance a Dory a fugir daquele lugar. Fica indeciso... Será que vai atrás de Dory, ou continua na conversa que está a ter com a moça que ainda não sabe o nome?

Ele tenta levantar-se para ir ter com ela mas a moça pergunta-lhe porque se levanta, e ele diz que viu a moça que ia ter com ele a sair e pede-lhe desculpa. Ele sai a correr a ver se ainda apanha a Dory.

A Dory fugira tão rapidamente que nem mais sombra havia dela. Ermelindo ficou a coçar na cabeça... Já sabia que aí vinha uma cena daquelas... E pensou: "Bem... Deixa lá! Vou voltar para o bar!". Vira na volta e quem encontra mesmo ali quase nariz com nariz... Clarisse da Purificação! Quase perdia o pio, mas lá conseguiu balbuciar:

- Olá, prima Clarisse! Não a esperava aqui. Está tudo bem? Os gatinhos como vão?

- Está tudo bem. Tu é que não estás com muito boa cara rapaz. Que te aconteceu? Não me digas que estás assim por causa da festa de anos. Não tarda o dia 14 de Fevereiro e há que comemorar com uma festa rija. Afinal, trinta anos é só uma vez na vida... E ainda por cima é Dia de Namorados! E claro que a tua amiga também faz anos no mesmo dia que tu, mesmo que seja mais velhinha dois anos que tu... Não é mesmo?

- Oh, prima... Nem me fale nisso... Nem me fale...

E depressa se livrou de mais perguntas, com um "Até logo, prima, até logo"...

Depressa chegou ao bar mas até a moça simpática o abandonara. Estava sozinho e perdido numa confusão diabólica nas paredes do cérebro... Então, que fazer? Bebeu, bebeu, bebeu e não mais conseguia juntar capazmente o "D" com o "o"... "Do...ry... Do...ry..."

É fácil adivinhar que Ermelindo não se sustinha nas pernas altas, que desta vez estavam sem se conseguirem levantar sem o desastroso cambalear de um quase trintão.

Chamaram um táxi e lá foi Ermelindo atordoado rumo à sua moradia. Difícil foi perceber o nome da rua mas o taxista aos poucos conseguiu entendimento.

(continua)

Amarrotada na estrada! (1)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

"Amarrotada na estrada"

Uma carta encontrada na estrada por um casal que passeava num Domingo à tarde. No dia 25 de Janeiro de 1998.

Este casal tinha um filho vivo. Tivera outros filhos mas a nascença fora interrompida por malformações irrecuperáveis. Restara aquele filho que era o enlevo dos pais. Só que estes pais desconheciam as peripécias deste filho, que julgavam puro da cabeça aos pés. Não tardava a fazer anos. Até pela estrada fora já falavam da festa surpresa...

Eis que a carta lhes coloca a curiosidade de a recolher daquele chão um tanto enlameado pela manhã de chuviscos. Afinal, esta carta estava amarrotada mas percebia-se na letra graúda, um nome... Este nome... Não é!? O homem foi quem a buscou do chão mas a mulher depressa a arrancou das mãos do marido, sem pensar, mas coração de mãe tem essas coisas, acertou-lhe em cheio aquele nome... (há muitos nomes iguais, não é mesmo? E até pode nem ter nada a ver com esta pacata família). (...). [Pausa]

A mãe começa a ler a carta, com alguma dificuldade:

"Ermelindo venho dizer-te que o crime ainda não está esquecido. Vou apanhar-te e nessa altura vais saber o que é um castigo, o que é a dor de sofrer pelo que fizeste. ass.:.........".

Fica a mãe a pensar: Que crime é este? Quem escreveu esta carta?

O começo:

O Ermelindo é um jovem bem-educado, muito participativo na vida escolar, da paróquia e familiar. Mas, há sempre um mas, na vida das pessoas, passa muito tempo na net. Tem um nickname e passa a vida nos chats perdendo-se e fazendo quem por ele se “agarra” perder-se de “amores e promessas”. Alguém descobriu… e parece que o Pai também anda “nisso”.

A mãe do Ermelindo, a D. Belmira Estrela é uma senhora extravagante... moderna... Mas também muito rígida com a família.

Doroteia… Dory p’rós amigos, amiga do Ermelindo e quem sabe a possível autora da carta amarrotada. Na “casa” dos trintas e poucos anitos…vive sozinha, algures no sul do País. Funcionária de uma empresa de pronto a vestir e sócia (com uma outra amiga) de um restaurante onde se come muito bem. Isto, segundo informações que ela foi “passando” ao Ermelindo.

Entretanto, D. Belmira Estrela fica chocada... Fica num alvoroço. Mas será mesmo a carta destinada ao seu querido, estimado e educadinho filho!? Mal pode acreditar que seja verdade... Um Crime!? E eis que começa num choro compulsivo, acudida pelo marido, que a segura, um pouco trémulo, pois pela testa já lhe começavam a surgir umas bolinhas de água de susto... Algo previa... Algo estaria prestes a fazer tremer aquele lar tão bonitinho...

Belmira Estrela não queria acreditar no que lia...e ao mesmo tempo que passava os olhos por aquele pedaço de papel amarrotado, apanhado à beira da estrada...seu pensamento vagueava pelo seu passado, e pela sua mocidade. Lembrava-se do seu tempo de estudante (sim porque estudara e até tinha feito o Magistério Primário e se tinha formado em professora primária). Nunca exercera...pois quando estava de casamento marcado, Antonino lhe dissera que teria de escolher entre constituir família e trabalhar. Ser mulher casada, ser esposa, também era profissão e assim cedeu ao capricho do seu António. De princípios algo rígidos com a família e marcada pela vida...soltava a sua frustração na forma como se vestia, nas suas pequenas extravagâncias...no seu nariz empinado e num orgulho algo ultrapassado...

E agora? Que crime era aquele? O seu querido filho Ermelindo?

Amarrotada na estrada!

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

"Amarrotada na estrada"

Nota Introdutória

Estava eu a limpar o pó dos móveis que me ouvem o sono e de repente parei... e ouço o recado emergido de dentro. Escutei com calma.
- E se fizesses um conto em que eras "narrador" e tinhas personagens participativas do globo virtual, vestidas pela escrita cibernauta?
E continuei escutando:
- Lanças a ideia e esperas o "feed-back" da adesão ou não de possíveis colaboradores.
Pensei:
- Já sei... foi só uma buzina no cérebro. Se calhar é alguém que sabe que o meu cérebro está sempre a trabalhar, e então não resistiu a dar-lhe ainda mais "ebulições"...
Coloquei o pano em cima da cama e cismei:
- É uma questão de experimentares.

Portanto, neste artigo só deixa comentário a personagem interessada em entrar na ideia de uma escrita diferente, uma escrita a vários dedos. Ficará atribuída, à partida, o nome (ou pseudónimo) pelo qual a personagem será interveniente. Através do e-mail poderá identificar-se, porque não se admitem personagens sem ID (Identificação).
Esta ideia avança ou fica amarrotada na estrada? Claro que o título da peça/conto seria precisamente este: Amarrotada na estrada! e andaria à volta deste mote (jamais abandonarei o título, jamais!! Quem sou eu para mudar este título!?):

O começo


Uma carta encontrada na estrada por um casal que passeava num Domingo à tarde.
Este casal tinha um filho vivo. Tivera outros filhos mas a nascença fora interrompida por malformações irrecuperáveis. Restara aquele filho que era o enlevo dos pais. Só que estes pais desconheciam as peripécias deste filho, que julgavam puro da cabeça aos pés. Não tardava a fazer anos. Até pela estrada fora já falavam da festa surpresa...
Eis que a carta lhes coloca a curiosidade de a recolher daquele chão um tanto enlameado pela manhã de chuviscos. Afinal, esta carta estava amarrotada mas percebia-se na letra graúda, um nome... este nome... não é!? O homem foi quem a buscou do chão mas a mulher depressa a arrancou das mãos do marido, sem pensar, mas coração de mãe tem essas coisas, acertou-lhe em cheio aquele nome... (há muitos nomes iguais, não é mesmo? e até pode nem ter nada a ver com esta pacata família). (...).[Pausa]


Pronto... o meu cérebro agora não pára mais.
- Cala-te um bocadinho. Deixa-me continuar a minha limpeza de móveis. Não vês que assim atrasas demais a minha tarefa de sábado?
Será uma ideia invulgar!? Mas hoje em dia .... há tanta coisa invulgar.
- Não, melhor nem publicar isto. Imagina só as críticas negativas... aos milhares. Ainda fico eu "amarrotada na estrada", mas adoro este título.
Mas quem será que me ditou isto, quem??

Nunca esqueças que eu tenho apenas o papel de Narrador. Vejo-me nos bastidores de microfone na mão e os autores no palco. A plateia sorri ou chora!? Agora depende dos conteúdos dos e-mail que podem advir deste arquipélago açoriano e não só... Imaginem que o filho daquele casal tinha amizades fora da Região... e que uma dessas amizades tinha um "pacto de silêncio"...

- Por favor aceita tu e tu, e ainda tu e mais... Vá lá... Não tem prazo para terminar este conto, que será nosso...
Atenciosamente,
Rosa Silva ("Azoriana ")

Grande Sábado!

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Gosto mesmo é do Sábado!
quando
as manhãs dormem
as tardes limpam
as noites sonham
em almofadas de nuvens,
sonhos macios
de silêncio e prazer.

O Sábado sempre foi um prazer!

O ofício em bom descanso,
o pó a esvoaçar da "ministra", à cabeceira,
que conhece a alma inteira
e morre de amores ao Sábado.

Não consigo acordar a manhã!

Manhã

Azoriana

Resposta instantânea...

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")


(in "Sou eu"- Ailaife Blog, 7-01-2005)

Entra, entra por favor...
A porta para ti está sempre aberta.
Trouxeste-me esta bela surpresa
numa caixinha de flores:
Ao teu sorriso chorei de emoção,
À tua alegria dei um abraço,
Agarrei-me às tuas asas e pedi para dançar,
no luar
onde as estrelas nos aplaudiram sem parar...

Vamos imaginar
que estamos no céu da terra
a sobrevoar a alta serra!

Azoriana