Na véspera do amanhã
É sempre assim. Uma azáfama de pensamentos invade a pacatez de um dia.
Sento-me perto da vidraça de um quarto que já foi meu. Resolvi trocá-lo para ficar perto do lado sul, perto da civilização.
Quando quero a paz, volto-me para este quarto, para as árvores, poucas, que entardecem com o esvoaçar de alguns animais alados. Claro que lhes chamamos de pássaros, os pardalitos que até estão a namorar.
Lá estava também o "Sr. Melro" pousado numa antena prisioneira de uma chaminé já sem brancura. Ela ainda continua firme num telhado sempre tão regional.
Ao longe, uma nuvem laranja parece fugir apressada para deitar-se no horizonte. As suas companheiras seguem-na de perto e vão-se vestindo de um tom nocturno.
Deixei-me ficar à espera da noite nascer... Olhem! Ainda há tempo de duas pombas deixarem um rasto de despedida alegre.
Uma aragem entra pela janela semi-aberta como que a avisar-me que é tempo de recolher aos meus aposentos... é apenas, mais um dia, de uma vida, que se aproxima do terminus. O amanhã fica a uma distância de pouco mais de três horas...
Quando eu virar a página do "Hoje" entro numa página especial. Comemora-se uma data perfeita: fui mãe de uma menina há mais de uma dezena de anos. Ela era muito miudinha mas trazia consigo a vontade de ser feliz, trazia o meu sangue e um olhar tão lindo!...
É impossível não registar esta véspera. Ela nasceu na véspera do dia de Nossa Senhora de Fátima, precisamente quando o Papa João Paulo II visitou esta ilha.
Talvez a minha emoção ao vê-lo através da "caixinha mágica" tenha acelerado o processo... Foi um marco importante na minha vida e oxalá seja na dela também - minha flor de Maio!
Quando se rasgam as entranhas e são expulsas as águas da felicidade nasce um ser... um ser que é fruto do amor.
Amar é isto: olhar pela primeira vez os filhos que nos colocam junto ao nosso rosto e os beijamos. É o primeiro gesto de carinho, o primeiro beijo da flor de Maio: a minha filha!
Azoriana