Canto repentista
Do quintal da antiga casa
De onde um dia bati asa
Avistava a do "Barbeiro".
Noutro tempo não liguei
Mas hoje também eu sei
Que cantou bem no terreiro.
Na carreira (*) que ele ia
Com sua pasta seguia
Afazeres por ventura.
Eu era nova, então,
E nem fazia menção
À sua rima segura.
Agora que despertei
E que em sonhos me atei,
Veio-me tudo à lembrança.
Foi um toque de certeza,
Porque ali na redondeza
Houve cantigas e Briança.
Será que ninguém guardou
As cantigas que ele cantou
Na terra e também lá fora?
O melhor é procurar:
Na Serreta foi seu lar,
Com a benção da Senhora.
Normalmente a cantoria
No passado não se via
Escrita assim de repente.
Hoje em dia os cantadores
Seguidos por gravadores
Sabem o que cantam à gente.
Mas há livros mais antigos
Dos das cantigas amigos
Que recordam repentistas.
Um é Gervásio Lima
E d'outros que amam a rima
E preservam tais artistas.
Um dia alguém perguntou:
- Que estilo ressoou
Na forma dos teus escritos?
Fiquei olhando o teclado
Em silêncio demorado
Com meus dedos tão aflitos.
Outra escrita eu tentei,
Outro estilo eu beijei,
Mas sofria amargamente.
Saía linha insegura
Bordada de amargura
E não vinha de repente.
Até que chegou a hora
Descalçada da demora
Que, por mim, foi descobrir
Minha alma repentista,
Acusada de bairrista,
Com versos a colorir.
Colorida da certeza
Que sou mulher portuguesa
De versos apaixonada.
Se Ela assim me plantou;
Se desta forma me abraçou...
P'ra rima fui destinada.
2008/07/03
Rosa Silva ("Azoriana")
Nota: Carreira = Transporte colectivo de passageiros que levava a maior parte dos residentes nas freguesias rurais para a cidade de Angra do Heroísmo, onde tinham seus trabalhos e/ou estudos.