Maria, serenidade
Em 19 de Abril de 2004 fiz um desenho que chamei de Mulher. Confira.
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Em 19 de Abril de 2004 fiz um desenho que chamei de Mulher. Confira.
Choro pelo caminho. É hora de almoço e nem sei onde está o cartão que me dá o "dinheiro da parede". Procurei na algibeira da mala e nada de encontrá-lo. Onde será que o larguei?! Hoje, fiquei trancada na rua. A chave da porta de casa não está comigo. Bato à porta e ninguém responde. Experimento enviar uma "sms" para me valerem mas sem resultado. Estão todos impedidos de vir a casa. De repente, lembro-me que tenho uma nota estrangeira no saco, à deriva. Encontro-a e resolvo ir trocá-la.
O lugar, por excelência para bons câmbios, está fechado. Rodo nos calcanhares e vou até à instituição bancária mais próxima. Troquei a nota e quase perdia a vontade de comer: Ao total (contravalor) foram retirados os impostos (0,16€) e as comissões (4,00€) e, na minha mão, nem pousa 10 euros inteiros. Saio triste. Afinal não há nada a fazer ou argumentar. É-me dito que é mesmo assim e pronto. Fico a olhar para a minha mão, por uns instantes, e acelerei a vontade de jorrar água exaltada dos olhos. Arrumo o papel comprovativo na mala e sigo pelas ruas, ainda com fome, e penso: - Isto é que vai uma crise em tudo e todos! Até as dólas estão a sofrer derrapagem acelerada.
Entretanto, enquanto as horas vão rolando num estômago vazio e triste, tal como o meu rosto deve estar, e, enquanto vou esperando saber o resultado da minha ida à "baixa citadina", vou olhando à minha volta e vou entrando no sonho. Sonhei: - Sou mais feliz fora dos bancos. Imagino o meu filho, lá longe, e sem dinheiro. O que será que ele faz o dia todo? Será que conseguiu um trabalho? Será que está de mão estendida a pedir umas migalhas? Um homem chora mais do que se imagina, quando estende a mão ao pão-nosso-de-cada-dia. Agora entendo porque há gente que se revolta, faz "lavarintes", digo, roubos, crimes e acaba na cadeia. Sonhando já estou a ver o mundo a apodrecer de tédio.
Mas o que se passa afinal?! É um corre-corre rumo a não-sei-onde e a não-sei-quê. Antigamente, o rumo ainda se vislumbrava na curva do destino, agora já não há tempo nem dinheiro. Vamos dando cabo de tudo. A caridade também já não é o que era. Ninguém dá por ninguém. Andamos lado a lado e não se sabe quantos e quantas carregam o rosto dos impostos e das comissões. O meu rosto está carregado. Fiz a borrada do dia. Não devia sequer ter comido... E continua o pensamento de que um dos meus filhos não deve ter comido nada hoje...Choro silenciosamente. Não sei o que fazer. Sinto a saudade e a fraqueza. Vou subindo a rua amarguradamente. Acabei de chegar do outro lado da ilha onde estive feliz por seis dias e o choro instala-se inconsolável.
De repente, procuro a abertura da mala e olho para dentro. Um cheiro bom inunda-me as narinas. Trouxe comigo uma rosa da Senhora dos Milagres. Um sonho real.
Para a "Fábrica de Histórias" - Sonhei.
in http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/4335.html