Recordações: Cartas para e da Califórnia
29 de Setembro de 2008
Carta para a Califórnia
Querida amiga Joanina,
Deves estar admirada de eu não escrever-te. Não é por mal mas porque hoje ainda não desci à terra, parece que ainda ando no céu das cantorias. Pois senta-te bem que eu vou tentar contar-te tudo como foi.
Saí do serviço por volta das 16 e tal. Fui a casa vestir-me melhor pois já previa que a cerimónia caseira fosse de requinte. Entretanto chegou o meu acompanhante e fomos de táxi até ao Pezinho da Casa de Luís Bretão. Foi fácil encontrar a casa que está até identificada com uma placa pequena no portão de entrada. Toquei a campainha e apareceu um moço, que vim logo a saber que é o filho do próprio. Muito simpaticamente disse-nos que entrássemos porque a porta estando aberta é sempre em frente e entra toda a gente. Assim foi. Entrámos devagarinho. Eu ia na frente e o meu olhar procurava o que já tenho por grande amigo - Luís Bretão… Avistei-o logo e alarguei o sorriso e o passo. Cumprimentei-o e ele retribuiu o cumprimento muito feliz. Estava nas suas quintas, como se costuma dizer. Presenteou-nos logo com uma fita alusiva ao evento e apresentou-nos o seu quase museu de cultura. Por todo o lado se viam lembranças e recordações do seu mundo fantástico de interesse pelo que é genuinamente regional e nosso. Que maravilha! O meu olhar perdeu-se de amores por aquele momento. Estava como que hipnotizada de encanto.
Já lá estavam algumas pessoas e, entretanto, foram chegando outras. Muitas caras conhecidas de um nível social bem diferente do meu mas, naquela casa, tudo parecia conhecer-se independentemente de ser A ou B. Alegremente se conversava e os sorrisos abriam-se de par em par.
À medida que se ia avançando na tarde eu sentia assim os tais nervos miudinhos, de vez em quando, mas eram atenuados pela palavra amiga de Luís Bretão que vinha saber como eu me sentia. Da mesa repleta de iguarias, queijos e doces, ia-se tirando uns nacos de confraternização. Aquele salão de amizade estava cheio à cunha. Até no exterior, o pátio transbordava de gente.
Mais tarde, já a noite avançava sem se dar por isso, chegaram os tocadores e os cantadores convidados e presentes no desfile do tradicional Pezinho de São Carlos. Aqui sim, eu senti como que um estrondo em mim.
- É agora! Meu Deus, chegaram todos. Que lindo! Pensava eu. A cena não podia escapar-me. Cumprimentos, sorrisos, abraços, euforia total de fotografias e gravações para ficarem cá e para irem para o estrangeiro pela mão do senhor Brum que vem sempre do Canadá na senda destes amores.
E lá estavam todas as caras que eu já conheço e que já parecem ser da família – os Cantadores da Terceira.
No meu canto, fui tomando atenção a todas as palavras que Luís Bretão ia, apressadamente, aplicando a cada homenagem que fazia e foram tantas que não consigo enumerar. O que interessa é que todas as áreas de educação, desporto, cultura, emigração, amizade, etc. foram contempladas na pessoa dos seus amigos que iam sendo chamados, um a um, para receberem uma lembrança feliz.
Depois, chegou um momento que me senti corar… Ouvi o meu nome e perante aquela gente toda, aventurei-me a dizer o que vou tentar lembrar e apercebi-me do carinho de quem me rodeava:
Eu até estou a tremer
Com tão linda saudação
Só lhe quero agradecer
Do fundo do coração.
Sem violão e viola saiu-me esta quadra. Podia ter feito melhor mas foi o que me saiu naquele momento. Perante isto chamaram-me para junto dos cantadores. Tinha que botar cantiga, pelo menos uma, que era a decisão unânime dado o atraso para a cantoria que ia decorrer junto ao Império de São Carlos com os cantadores habituais.
As pernas tremiam mesmo. O coração batia forte. Mas, por incrível que pareça, estava tranquila. Afinal isto deve ser fácil, pensei eu. Estou ao pé de gente que já sabe deste meu gosto pelas cantorias, o resto seja o que Ela quiser.
O Mota foi dos primeiros a saber deste meu gosto. O Eliseu anda como que inquieto para me colocar uma das suas quadras que me farão tremer ainda mais. O João (Retornado) até me deu uns bons conselhos. O Paulo Lima só se for em eventos mais reservados pois nunca o vi cantar nos arraiais, mas canta muito bem. O João Ângelo é um caso excepcional e julgo que é um privilégio para quem cantar com ele (Ai se eu tremia, claro que ia tremer como varas verdes…) O José Fernando é o que se aproximou de mim e ficou contente por me ver ali disposta a cantar. Lembrarei sempre disso. Lembrarei também que o Eduíno do Raminho me reconheceu por ser filha do Carlos Picaroto, que vivia na freguesia vizinha da dele. Ele também esteve presente em Maio de 2004 na Briança da minha irmã, na Serreta. Deu-me muita força e coragem. Os nomes que não identifico agora e que lá estavam, não é por mal, é porque não os conheço bem. Nesses que não identifico há um que um dia, se cantar com ele, terei motivos para chorar em público. Ele canta de uma maneira que gosto muito. Não vou revelar porque o segredo é a alma da cantoria.
Quando acabaram de cantar lindas quadras de homenagem a Luís Bretão, este certamente estava com o coração em brasa porque o rosto transbordava de contentamento. Presenteou todos com 5 sacos de lembranças regionais, com a ajuda das pessoas que faziam parte da organização e da comissão das festas do Império de São Carlos. Um desses senhores conversou depois comigo e como é pai de um colega de serviço ainda me chamou mais a atenção. Se não me falha a memória o nome dele é Marcelino Gaspar e notei logo que é um amante de cantorias ao desafio e segue-as com dedicação.
Estava tudo impecável. Os agradecimentos foram tantos que julgo terem tirado o sono ao que eu chamo de Padrinho das Cantorias. A emoção era forte demais para se conseguir dormir sem que o sonho nos fizesse reviver os melhores momentos.
Quando já vinha na volta para casa, e depois de ver a belíssima Exposição de fotografia de André Pimentel, que até vim a descobrir que é filho de pessoas que eu conheço desde infância, e depois de ouvir os duetos de cantadores no palco da Cantoria e aplaudir entusiasticamente, o meu pensamento continuava lá e no meio dos cantadores.
Tentava não esquecer a minha primeira quadra cantada… Acho que foi assim:
Hoje agradeço o convite
Que me fez Luís Bretão
Aguçou-me o apetite
Para a melhor ovação!
Não sei quando voltarei ou se voltarei a cantar ao vivo e enfrentando outros públicos…; não sei se vou conseguir fazer o que um senhor do folclore regional me recomendou para que eu saiba atinar e ir de encontro à música própria e tradicional do Pezinho ou Cantoria; não sei se a minha voz vai aguentar um serão inteiro a cantar; mas o que sei é que mesmo que não volte a tais desafios, dou-me por muito feliz por ter aceite este magnífico convite e por ter abraçado e beijado no rosto o homem que acredita que a nossa Região tem uma marca preciosa: o Amor pelas Cantorias e pelo que é genuinamente nosso, a nossa Cultura repleta de dons.
O Cantar ao desafio em improviso é o melhor dos dons que Deus pode dar a uma pessoa, seja ela homem ou mulher. As mulheres não se aventuram tanto a subir aos palcos mas houve uma que serviu de exemplo para todas: a D. Angelina Sousa Turlu. Não é senhora do meu tempo mas quando conheci as suas relíquias fiquei para sempre fã.
Talvez lá do Céu ela me tenha acenado… Vi isso no olhar de Luís Bretão. Agora estou a chorar, acredita amiga Joanina… A chorar porque ontem não consegui e estava como que hipnotizada. Este choro é daqueles que se chama saudade e nostalgia por não ter abraçado a D. Angelina. Ela iria entender-me na perfeição tal como me entende Luís Bretão…
Angra do Heroísmo, 29 de Setembro de 2008
A Cagarra da Terceira
Cantoria | |||
O Improviso da Jo! Ontem lá para a noitinha, Estava eu na casa minha Veio-me uma inspiração Dei logo um pulo da cama Fui a blog da Azoriana E fiz-lhe uma canção. Agora cheguei a casa E trazia um grão na "iasa" E ânsias para rimar Já fiz quadras e sextilhas Tudo à conta das rosquilhas Onde é que isto vai parar?! E as rimas a sair E eu finada de rir Com esta nova faceta Mas a culpa não é minha É toda de minha madrinha E dos ares da Serreta. Eu fico admirada Até como arrepiada Com mais esta sintonia Estou até hesitante Isto é sorte de principiante Ou “torresmo d' agonia”? Se eu cantar ao desafio Com minha voz por um fio A minha sorte é tirana Mas nome eu já escolhi Não arredo pé daqui É Melra Preta “Amaricana”! Joanina, a "Amaricana" 20 de Maio de 2008 | Ao primeiro improviso da Jo! | ||
Ó Cagarra toma calma | Segui a cantiga a eito | ||
P’r’os maridos tenho cura | Olha se arrematação | ||
Hoje não atino a nada | Também estou "espravoada" | ||
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Para a Melra Preta “Amaricana”
P.S. Um dia, quando eu cá já não estiver, diz a meus filhos que os amo muito e também à pessoa que acompanhou este meu sonho porque apesar de não se atrair muito por cantoria, provou, mais uma vez, que o amor move montanhas e no dia 25 de Setembro de 2008 esteve sempre do meu lado. O que posso querer mais? Que Deus me perdoe os pecados de um passado menos bom.
Um grande abraço, amiga Paula Belnavis desta que se assina por
Rosa Silva (“Azoriana”)
Resposta da amiga Joanina
Califórnia, 26 de Setembro de 2008
Querida Amiga,
Agora quem chora sou eu!!! Que carta linda esta que me escreveste...
Acho que até nem sou merecedora que alguém me escreva um coisa assim.
As tuas palavras fizeram-me viajar ate a casa do Luís Bretão, pois eu própria, quando fazia parte de um Grupo Folclórico, também tive o prazer e a honra de assistir a um desses Pezinhos. E é tal qual como tu descreves!!...
Fico feliz com a tua felicidade, e tenho a certeza que lá do céu, onde ela está, Trulu, também está feliz por tão bem teres representado a raça das mulheres da nossa terra.
Obrigada por teres partilhado comigo o que viveste, e obrigada por mais uma vez me "levares" contigo, e com as tuas palavras encurtares a distância, e a saudade, que me separa da minha Terceira e das suas tradições!
Beijo grande e abraço apertado da tua amiga,
Paula
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Artigos relacionados com o evento:
Homenagem a Luís Bretão
E viva Luís Bretão!
Um dia diferente
É hoje, 25 de Setembro!
É na próxima quinta-feira que o meu coração vibrará...