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Açoriana - Azoriana - terceirense das rimas

Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana). Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1

Criações de Rosa Silva e outrem; listagem de títulos

Em Criações de Rosa Silva e outrem
Histórico de listagem de títulos,
de sonetos/sonetilhos
(total de 1006)

Motivo para escrever:
Rimas são o meu solar
Com a bela estrela guia,
Minha onda a navegar
E parar eu não queria
O dia que as deixar
(Ninguém foge a esse dia)
Farão pois o meu lugar
Minha paz, minha alegria.
Rosa Silva ("Azoriana")
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Com os melhores agradecimentos pelas:
1. Entrevista a 2 de abril in "Kanal ilha 3"

2. Entrevista a 5 de dezembro in "Kanal das Doze"

3. Entrevista a 18 de novembro 2023 in "Kanal Açor"

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Pico é lindo...

20.11.09 | Rosa Silva ("Azoriana")

... E negro de mistérios, traz-nos a nostalgia, a saudade e o querer voltar a vê-lo um dia. Altaneiro e vistoso, com seu manto todo branco, como que comandar as outras ilhas irmãs que, à distância, lhe acenam sorrindo por entre dias claros ou nublados. Nem lembro bem, há quanto tempo não vou mas é como se estivesse lá. Fecho os olhos e avisto, sentada na ponta do muro da casa do meu tio Amaro, aquela conchinha beijada pelo mar e pelo cantar forte ou suave das ondas que jamais nos deixam sós. Regalam os dias e embalam as noites...

Naquele cais pequenino mas grande de histórias dos maiores construtores de barcos e traineiras que, infelizmente, nunca vi serem levadas pela primeira vez ao mar numa inauguração feliz e entusiasta. Muito andei para lá e para cá, no Santo Amaro, no Terra-Alta, no Espírito Santo e outros. Tudo se acaba: são as gentes e as coisas... É uma pena mas nada por cá fica a não ser a doce recordação e os descendentes que vão honrando a memória do passado.

Quando eu era pequenina, digo pequenina e sempre avultada de corpinho, e mais tarde, na adolescência, a minha maior alegria era quando diziam cá em casa: - Vamos ao Pico! Nessa altura crescia em mim uma alegria que era difícil de explicar mas fácil de adivinhar olhando o meu rosto eufórico. Toca de fazer as malas, ir para o Porto das Pipas, dizer "adeus" ao Monte Brasil e ala em frente directos para o ilhéu do Topo, deslumbrante na passagem, e até ao porto da Calheta olhando aquelas calmas Fajãs e o escasso casario que mais parecia um presépio acolhedor, até aportarmos um bocado nas Velas. Como a ânsia era tal em chegar ao Cais de São Roque, achava sempre uma demora eterna as paragens e a viagem, muitas vezes com alguns sobressaltos: era só mar dum lado e do outro como que a querer engolir a minha felicidade que tardava em saltar para o cais.

Finalmente, avistava-se a ilha e o seu Pico majestoso e o coração batia tão forte que quase era uma ajuda para avançar mais depressa. A loucura total era o passar do barco para terra. Pensava para mim: "finalmente cheguei, só falta um bocadinho agora"! Às vezes tinha alguém que nos reconhecia mas a surpresa era sempre o nosso anúncio de chegada quando o carro estacionava junto da primeira porta do amor: a casa da Tia Vieira! Gritos de alegria, abraços tão apertados que uniam os corações que há muito não se estreitavam tanto...

E depois? Depois era um nunca mais parar, era largar-me por aqueles caminhos e atalhos a procurar todos os rostos de família... Num instante se colocavam as notícias (de cá e de lá) em dia entre sorrisos e lágrimas sãs...

Uns anos mais tarde, quando já a morte levara os mais velhinhos e doentes, eu fazia sempre uma visita ao cemitério para abraçar o silêncio dos entes falecidos e só depois ia ver o Santo Amaro, que ficava mesmo ali ao lado no seu altar salgado pelas ondas que ficam a espreitar as manhãs e noites picoenses e jorgenses, mesmo ao lado. Aquelas luzinhas do casario nocturno jorgense parecem velas a iluminar o Santo que saúda de cá o grande cavaleiro São Jorge, esguio, espraiando-se pelo mar em cânticos de júbilo e companhia melodiosa.

Quando era para voltar para a Terceira começava uma lágrima teimosa a querer saltar para se ir juntar ao mar que também se exaltava com o nosso regresso. Cheguei a ver da janela da casa da minha querida tia Margarida, a que dizem que eu sou mais parecida com ela, o mar a galgar o muro e vir lavar o caminho. Contavam-me que certos dias de tempestade, ele entrava pela porta da frente e saía pela que encontrasse mais próxima, que na verdade era a cozinha onde o cheiro a torresmos, salsichas, linguiça e inhames me fazia sair de cada refeição com o paladar regalado e agradecido. De certeza vinha de lá sempre com mais uns quilinhos... Ai que ricos doces de fruta, que queijos deliciosos, o bolo-tijolo, as vésperas, a angelica, o espirituoso vinho, uvas, figos e o manjar de deuses que sempre nos preparavam em cada convite, à vez e sempre numa casa diferente. Voltar para a Terceira era uma tormenta, um choro de abraços, lágrimas compridas que não estancavam mais... Quando já não via a minha "conchinha de amor", porque o barco já se ia afastando do cais da Ilha Maior, o meu coração perdia-se em tristeza e amargura... Pensava "deixei-me ficar em Santo Amaro..." mas tal nunca foi possível.

A vida continua e a minha residência estava fixa na ilha que me vira nascer, naquele quarto perto dos ares da Serra de Santa Bárbara, na pequenina freguesia da Serreta, com a janela voltada para o alto-mar que abarca o trio das ilhas que já visitei, felizmente: Graciosa, São Jorge e o Pico (até dizem que quando se vê surgir claramente a pontinha acima de São Jorge é sinal de que chove dali a três dias).

Queria tanto voltar aquela metade do meu coração mas há sempre algo que me impede. A vida modificou-se de tal forma que raramente há lugar a viagens de encontro à saudade. O dia que eu conseguir lá voltar, sei que muitos já nem saberão quem eu sou, apenas os de mais idade e os familiares vivos. Tantos que já se foram e tantos que ainda me esperam sempre com o grito de amor à chegada.

Querida amiga nova, Margarida, que Deus a proteja nessas Américas junto de sua família, que seja sempre muito feliz e, tal como eu, sinta o pulsar da Montanha no seu coração de ilhoa.

Nunca gostei das partidas... gosto sempre mais das chegadas porque nos tiram as lágrimas tristes e dão-nos as alegres.

Até outro dia que a prosa se solte ou a rima favorita.

Abraços da Rosa Maria