Uma espécie de entrevista para memória futura
Terça-feira, 16 de Março de 2010.
O dia amanheceu propício para uma conversa amistosa. O assunto é: Pezinho e Cantigas ao Desafio. A conversa travou-se entre a Azoriana e um cantador já conhecido, do concelho da Praia da Vitória, mais propriamente da freguesia das Fontinhas.
RS: Bom dia, cantador!
JF: Bom dia. Tudo bem?
RS: Tudo e por aí?
Foi logo directa ao assunto que lhe andava a martelar o juízo há algum tempo.
RS: Quando costumam começar as cantorias?
JF: Agora quando começar o Espírito Santo começam Pezinhos e Cantorias.
RS: Existe alguém que coordena os cantadores e os convida?
JF: Não. Normalmente são as comissões de Império ou de festas que convidam. (...)
A conversa estava a ficar interessante mas ela avançou sem responder ao conteúdo omitido nas reticências...
RS: Os cantadores têm os tocadores próprios ou é ao calhas?
JF: Também é ao calhas embora por vezes as comissões pedem para os cantadores falarem a tocadores.
RS: O assunto das cantigas é combinado antes ou surge do nada?
JF: Surge do nada, embora já me tenha acontecido alguma comissão dizer que gostaria que cantassem sobre isto ou aquilo, tipo agradecimentos ou assim...
RS: Quando os cantadores vão pelas casas, naturalmente têm de saber pormenores antes para poderem cantar os devidos agradecimentos. Vocês perguntam a alguém da comissão ou sabem pormenores antes?
JF: Quando é nos Pezinhos normalmente as comissões ou o dono da casa caso seja algum particular, informam se vamos cantar a algum criador ou pessoa que deu oferta ou outra coisa qualquer, quando se trata de cantar à Igreja, Império ou outras entidades aí já sabemos.
RS: Costumas estudar tudo sobre uma determinada freguesia e suas gentes?
JF: Sim. Normalmente preparo-me a nível de cultura geral e temas relacionados com o lugar onde vou cantar para a eventualidade de se falar nesses assuntos.
RS: Quem começa as quadras é que inicia as sextilhas do fim, numa Cantoria? Isto é, quantas quadras por pessoa e quantas sextilhas, se é que contam?
JF: Normalmente nos Pezinhos canta-se em quadras e se tem quatro cantadores costumam ser duas a cada cantador. Na cantoria depende, podem-se cantar quadras durante um quarto de hora, meia hora ou mais. Normalmente o cantador mais velho em palco é que toma a iniciativa das sextilhas, que podem ser duas, quatro ou mais, tudo depende e também pode ser iniciativa do outro cantador. Nada é previsível e assim é que é o improviso, tudo é repentino e ao sabor do dom de cada um.
RS (cantarolando):
E não te demoro mais
Com o interrogatório
Para não achares demais
E dizeres que é purgatório
Na Canada dos Folhadais
Queria fazer reportório.
Desta feita JF interrompe e indaga:
- Porque me perguntas isto tudo?
RS responde cantarolando:
Depois da obra pronta
Que atravessa o caminho
Um dia eu tomar conta
Duma festa do Pezinho
Desde que não fique tonta
Ou não haja descaminho.
JF: Ok. Entendi e aí também cantas... (rindo)
RS (sorrindo):
Eu não tenho grande oferta
Para dar ao pessoal
Mas tenho a porta aberta
Sem riqueza não faz mal
Eu também penso estar certa
Da rima ser meu ideal.
RS continua:
Conheci um tocador
No Snack Bar do Medeiros
E também um cantador
Que me cantou os primeiros
Versos com um grande valor:
Os amigos foram ordeiros.
RS não pára:
Até eu me arrepiei
Quando cantei nesse dia
Só que a rima não fixei
Porque estive em agonia
Mas agora já eu sei
O valor da Cantoria.
JF: Estás inspirada mas eu hoje estou ocupado, não posso responder em cantigas...
RS: Pronto, agora já estou mais informada. Vou parar. Isto anda-me a causar um frenesim...
JF: É para este ano o Pezinho?
RS não responde directamente à pergunta, apenas diz:
- Um abraço e até ao Verão. Lembrei-me dum Pezinho em memória do Charrua, porque não?
Após as despedidas, RS ainda perguntou o nome completo e outros pormenores que interessam sempre para conhecer um pouco mais do cantador em causa. Ele respondeu, sem hesitar. Portanto, as siglas JF querem dizer: José Fernando Borges Pacheco. (ver aqui e aqui)
É curioso que é da mesma idade que RS, apenas com a distância de dois meses e doze dias, mais novo. Reside na freguesia das Fontinhas, do concelho da Praia da Vitória, ilha Terceira - Açores. Pelo que se sabe e já se ouviu, é um cantador que se apresenta bem e tem o dom do improviso, natural de quem se atreve a enfrentar um público ávido de ouvir quem bem se defende e/ou interpela o companheiro de cantigas desta arte popular.
RS não tem a certeza absoluta, mas pensa que travou conhecimento com JF através das novas tecnologias, naturalmente graças a alguma pesquisa feita sobre cantorias ao desafio ou algo do género. O que lembra perfeitamente é de estar, ao seu lado, no Pezinho na casa de Luís Bretão (2008).
O que a entristece é este cantador (e outros) não possuir uma página na internet sobre o seu percurso de cantorias, pezinhos e actuações nas diversas localidades (regionais, nacionais e nas comunidades de emigrantes).
Outras perguntas foram feitas mas o que interessa é que este frenesim pelas cantigas ao desafio anda a bailar na mente da RS e até pensa lá consigo: "Ó quem me dera que o Divino Espírito Santo me desse a inspiração e a necessária prontidão. Só Ele saberá quem escolher, porque isto de cantar ao desafio não depende só de nós mas de algo superior a nós e da concordância de familiares...".
Angra do Heroísmo
RS - Rosa Silva ("Azoriana")