Um passado partido
A vida faz-se de pequenos silêncios que desmoronam quando a voz de abre.
Por vezes, como agora, a voz abre-se através da escrita lisa, enfeitada de gosto ou desgostosa. Na verdade, nunca se sabe tudo, nem nos ensinam tudo e de pouco ou nada se vive afinal.
O que sei, hoje, é que a labuta é sempre no mesmo compasso: levanta-te, lava-te, veste-te, trata-te, caminha até chegares ao mesmo de todo um percurso, ora bom, ora atordoado, e, presentemente, causador de angústias.
Ouço a voz interior que me diz: - Anima-te! Força! Continua com os passos que te levarão ao lugar de paz. E eu, calada, respondo-me: - Qual paz, qual carapuça! Todos os dias há algo que nos inferniza o estado de espírito.
E após mais alguns tristes pensamentos avanço para a cesta das amêndoas, que nem devia olhar, mas olho e provo do doce e amargo, que nesta altura, no meu pensamento, simboliza a amendoeira em flor que foi o sinal que deu a conhecer que José seria o homem escolhido para Maria e pai adoptivo de Jesus. Se estiver errada, a culpa foi do filme visto no sábado de Aleluia. Confesso que vi o filme todo e emocionei-me. Normalmente é assim. Os filmes têm o condão de me influenciarem tanto pela positiva como pela negativa. "A Sagrada Família" (*) foi um filme que gostei de ver e apreciar. Ainda veio a tempo de me fazer reflectir que, afinal, do tanto que se aprende na catequese, na missa dominical e semanal (caso seja frequentada), nos livros e, mais concretamente, na Bíblia (que é um conjunto de livros sagrados, difíceis de ler com os olhos da compreensão), fica sempre algo pela rama.
Há quem me diga que eu não tente decifrar o Mistério de Deus. É impossível mesmo, julgo. Há que acreditar sem ver, sem aprofundar, sem vasculhar as entrelinhas sagradas. Mas a curiosidade humana existe e há tantas perguntas sem resposta evidente.
Quem eram os irmãos de Jesus na altura do seu nascimento?
Onde está escrito que um sacerdote não deve casar? Será uma estratégia para o privilégio daquele?
A ignorância já não está à solta. O que fazer com tanta informação evolutiva, sobretudo na camada mais jovem da sociedade?
Vou deixar de me auto-flagelar com espinhos do passado. E os silêncios vão caminhar na voz da escrita porque é ela que me cura devagarinho.
Eu acredito em Deus. Não acredito na sumptuosidade dos que O seguem com vestes de ouro fino. Ele era tão simples, tão humilde, tão bom.
O sinal que José obteve para ser o escolhido foi o florescer da amendoeira. Mais uma vez, coisas tão simples para gente tão simples e humilde.
Tudo o que o passado me ensinou está a tornar-se um verdadeiro flagelo pessoal na actualidade.
Rosa Silva ("Azoriana")
(*) "Titulo Original: «THE HOLY FAMILY»
Uma fantástica mini-série que explora o lado humano de José e Maria, pais de Jesus.
Filmada na região da Jordânia,"A Sagrada Família" uma mini-série inédita do famoso realizador italiano, Raffaele Mertes, explora a beleza das suas paisagens.
Baseada nos Evangelhos Apócrifos, foca o lado humano da história de José e Maria, pais de Jesus. E conta como o amor deles sobrevive ao nascimento de um filho "incomum", a partida do casal para o Egipto, as dificuldades de sobreviver em terras estrangeiras, a tarefa de educar e criar o jovem Jesus e os percalços pelos quais passam por conta do filho tão especial!" Veja aqui.