David Fagundes RIP
DAVID FAGUNDES – FIM DUMA VIDA
Liduino Borba
Na Páscoa de 2009, lancei na Fonte do Bastardo, freguesia de origem do biografado, numa cerimónia, muito participada, integrada na “Onda Cultural” da Câmara da Praia da Vitória, apoiada pela Junta de Freguesia, o livro “David Fagundes – Versos duma Vida”.
No dia 14 deste mês de Dezembro faleceu David Fagundes e apetece escrever “David Fagundes – Fim duma Vida”.
O meu relacionamento com David Fagundes vem dos anos setenta, como Guarda Fiscal, quando trabalhei na Agência dos Barcos, na Praça Velha, entre 1970 e 1981, mas apenas em termos profissionais, porque não o conhecia como improvisador.
O meu conhecimento sobre a existência de David Fagundes, como repentista, aconteceu numa conversa com Norberto Bettencourt, funcionário do Museu de Angra e proprietário d’”O Arado”, aquando da minha recolha de Velhas, em 2005, para a publicação de um livro, que poderá conter cerca de um milhar delas, distribuídas por cerca de meia centena de autores.
Nessa data mostrou interesse em deixar “uma recordação para familiares e amigos”. Do nosso relacionamento, percebi a qualidade dos seus versos, «que se lê com muita fluidez» como disse Victor Rui Dores. Em 2008, depois de uma conversa com ele e com a esposa ficou decidido fazer o livro.
Segundo Victor Rui Dores, em 6 de Fevereiro de 2009, no Prefácio do livro, «… este terceirense veicula, nos seus versos, uma inabalável fé cristã, escrevendo, com os olhos da memória, sobre o fluir do tempo, a saudade, a distância, a ausência, a viagem, o afecto, o amor, a vida e a morte no registo mais sentido de uma escrita pessoalíssima e profundamente humana. Eis um homem que através das suas rimas se dá aos outros, ele que é portador de uma consciência crítica e de um apurado sentido de justiça, dando disso conta no que escreve e na maneira como escreve.»
Escrever sobre a morte não é nada fácil, mas David Fagundes fazia-o com muita mestria e à vontade. Sobre a sua, que fez tudo para adiá-la, e que tinha algum receio como me confessou, escreveu nove quadras alusivas ao tema, que a família teve a feliz ideia de as publicar no folheto da funerária aquando da morte. Por estarem dívidas em dois temas no livro, juntei-as:
«Algumas quadras para mim
Há anos, que faço quadras para diversos fins, mas nunca tive o desembaraço de fazer umas para mim. Aqui vão elas:
Até que resolvi fazer
Embora pobres mas singelas
Comecei-as a escrever.
Com simplicidade, vão elas.
Sino que dobras para alguém
Que acaba de sucumbir
Um dia dobrarás também
Para mim, que te estou a ouvir.
Sino que entoas a tua voz
Enquanto a vida vivemos
Duas vezes tocas para nós
Ao nascer e quando morremos.
Com mais ou menos sorte
Sem neste mundo já progredir
Luto até que venha a morte
A que não posso fugir.
Sem lamentos nem dissabores
Cada um pode rezar.
Detesto grinaldas de flores
Que não me iriam salvar.
Tenho uma farda linda e nova
No meu quarto a jazer
P’ra ir comigo p’rà cova
Um dia quando morrer.
Podem pôr sobre o meu caixão,
De qualquer cor de tecido,
Um letreiro a pedir perdão
Aos que sem querer tenha ofendido.
Podem pôr a minha estampa
Na sepultura a mim incumbida
E ponham as flores na campa
Que me foram dadas em vida.
Rezem vezes a miúdo
Porque em vida muito rezei
Se com a reza eu não for tudo
Sem ela nada serei.
28 de Setembro de 2006».
Só os grandes improvisadores conseguem escrever assim. Faleceu o David Fagundes, fechou-se mais uma biblioteca.
Paz à sua alma!
Casa da Terra Alta, 16 de Dezembro de 2010.
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Quão dolorosa partida
Para quem lhe tinha amor
Ele perdeu por cá a vida
Pra seguir na do Senhor.
Foi no mês do nascimento
Do Divino Redentor
Pra que o seu falecimento
Fosse tido sem mais dor.
Cristo o levou para o Céu
Junto de anjos e arcanjos
E o seu irmão ilhéu
Fica com os seus arranjos.
Homem bom e repentista
Que seu livro teve e viu:
Continua o nosso artista
Nas rimas que bem urdiu.
À família enlutada
Com sofrimento atroz
A palma lhe seja dada
Que feliz foi ele por vós.
Ó meu Deus, mas porque dói,
Tanto assim a despedida...
Bem-haja quem lhe constrói
Os Versos na outra Vida.
Rosa Silva ("Azoriana")