Silêncio (s)
A cidade estava calma, silenciosa. A escola fechara as portas para férias da pequenada e o silêncio prosperava. Nas ruas, apenas alguns carros circulavam nas vias habituais. As pessoas eram escassas no percurso matutino. Envolvi-me, no (s) silêncio (s). Para mim, o silêncio é propício à maturação de ideias. Por outro lado, o meu silêncio pode ser mal interpretado por outrem. O silêncio é o meu melhor amigo: faz-me recordar o tempo que a parte melhor da casa, a sala que ficava reservada ao Presépio natalício.
Ainda lembro, que cedo íamos às “leivas” musgos, aos verdes aveludados que se arrancavam das pedras frias da lava da ilha. Recheadas de alegria, percorríamos as canadas onde a infância reinava. Voltávamos a casa para iniciar a tarefa feliz: construir a cabana com pedras, encher os caminhos de farelo da madeira que o meu pai serrava e se guardava para este fim, colocar os verdes a preceito ao longo do recanto da sala, que também tinha o cedro com o cheiro a Natal. As figuras dispostas, criteriosamente, completavam a aldeia cuja intenção era animar a nossa casa e dar-lhe felicidade festiva, relembrando que o Menino renascia nas palhinhas deitado.
Nas vésperas a azáfama era tal que nos criava uma expectativa fora de série. Enquanto a minha mãe preparava a consoada, tínhamos que fazer uma sesta não fosse o Menino Jesus, na Missa do Galo, apanhar alguma de nós com sono. Mesmo com um frio de rachar, os nossos sentidos estavam todos despertos na hora do «Beija-Pé» e de retorno ao lar, onde o sapatinho ficara à espera da bondade do S. Nicolau. Ao entrar em casa, corríamos com o coração a saltar pela boca fora, e os olhos esbugalhados no encontro de um brinquedo, nem que fosse de plástico. Depois… depois a animação fazia prolongar a noite até que o Galo se voltasse a deitar, primeiro que nós. O dia já ia alto quando voltávamos à brincadeira com aquela oferta bendita… Hoje, a saudade é que volta sempre ao sapatinho que permanece no coração.
Não haja dúvidas de que o Natal é das crianças. Mas quais crianças?! Hoje nem as deixam ser… Eu fui criança e em mim reinava a inocência.
Ao silêncio me recolho para voltar a ser criança nem que seja apenas por uma noite: a Noite do Menino!
Rosa Silva (“Azoriana”)