O perfume de Natal
Há uns anos a esta parte que enfeito a sala com uma árvore artificial para simbolizar a época de festa do nascimento do Menino Jesus, símbolo de tudo o que é puro, fresco e bom. Não é fácil, com este procedimento, atingir o verdadeiro perfume da quadra. Falta aquela essência que a árvore verdadeira traz para o lar, desde os campos que a criam. Tenho, sobretudo, saudades de ir ao campo, subindo veredas e canadas, para colher os “verdes” belos para construir uma espécie de representação do tempo bíblico. Já lá vão uns bons anos em que a pureza e inocência me enchiam os sentidos de alegria, fé e esperança. Hoje, tudo é relativo mas ainda subsiste aquele encanto pela simbologia criativa de um mundo exemplar para o homem: o Nascimento do Deus Menino.
Portanto, esta volta a um passado que aflora a mente nesta altura, venho solicitar a quem me ler algo especial: uma árvore verdadeira com aquele perfume do campo. Em troca (porque nada se faz, hoje em dia, sem recompensa) dou um dos meus livros autografado, se assim o desejarem, com a rima verdadeira e reconhecida.
Que o teu Natal seja
Verdadeira imitação
Do que se vê na igreja
Antes da ressurreição.
Porque Deus se fez pequeno
Para o homem ser maior
Por isso daqui aceno
Pra que o mundo seja melhor.
O perfume de Jesus
É feito da natureza
Que se enfeita de Luz
E de cores da beleza.
Não se negue tal processo
De festa humanitária
Seja feliz o regresso
De bênção comunitária.
Rosa Silva (“Azoriana”)
A ida aos «verdes» (uma história verdadeira do meu Natal)
Era uma vez… Não… não se trata de um conto infantil mas um conto verdadeiro da minha infância. Então era assim:
Na véspera de se construir o verdadeiro e perfumado presépio, minha prima (a quem chamava de titia), minha irmã e eu, íamos volta acima, por entre um frio de rachar, procurar nos valados campestres os tais «verdes» aveludados, musgos de várias tonalidades, alguns ramos das perfumadas árvores para enfeitar o nosso meio da casa, vulgarmente conhecido pela sala, o compartimento principal de receção das visitas. Era uma verdadeira euforia, sobretudo, para nós, «as pequenas» que eram o motivo principal de tanta azáfama.
Chegadas a casa com os cestos de vimes cheios do material campestre, era tempo de começar na busca das caixas que guardavam as figurinhas do presépio. A cabana do Menino tinha de ser construída de pedra leve e com algum volume, de cor de vinho. Armava-se a dita Gruta do Menino Jesus e colocava-se a vaca, o burro, algumas ovelhinhas, o Anjo na entrada, e, sem falta, S. José, Nossa Senhora e o Menino nas palhinhas, risonho e de braços abertos como que a agradecer o nosso feito.
Depois era o talhar de uma verdadeira aldeia com casas de madeira feitas pelo meu pai, ruelas de farelo da dita madeira, pedrinhas a marcar o território de passagem de figurinhas de pastores, reis Magos e uns tantos “bonecos” que tinham anos e anos de entusiasmo natalício.
Quando se concluía tal tarefa gratificante, ficávamos a olhar aquela maravilha. Um canto da sala estava ocupado com as coisas do Menino Jesus e ninguém ousasse mexer naquela fantasia. A árvore natural, sem pisca-piscas (naquele tempo ainda não havia essa modernidade), alegrava o ambiente com umas bolas reluzentes e uns postais que vinham dos familiares emigrados, uns chocolatinhos, laranjas, e o perfume da magia de Natal… Que saudades!
Depois, era uma visita frequente daquele canto até chegar o dia tão sonhado da missa do galo e das prendas no sapatinho que ficara junto ao fogão de lenha, na chaminé. Supostamente seria por ali a entrada do Menino Jesus (não se conhecia ainda o tão falado Pai Natal). Mas para tal acontecer tínhamos que cumprir uma ordem: dormir uma sesta para estarmos despertas à meia-noite para o beija-pé do Menino, no fim da missa do galo, com os magníficos cânticos de Glóoooria!
Confesso que achava uma missa linda mas muito demorada… O pensamento ficara no sapato e na surpresa que seria ao entrar porta dentro numa correria para a chaminé, logo seguida das titias risonhas, dos pais e da avó. Pudera! Eles todos sabiam o que lá estava, menos a gente. Não levaram muitos anos para descobrir essa marosca.
Numa dessas sestas recomendadas pela mãe, quando já sabia que o Menino tinha mais que fazer do que andar de chaminé-em-chaminé, pus-me à socapa com olho aberto, outro fechado, para ver se ninguém ouvia a minha saída da cama quente. Puxei muito devagar a cadeira que costumava estar perto da cama da minha mãe e subi, silenciosamente, para espreitar os embrulhinhos que estavam em cima do guarda-fato. Achei! Pensei eu… Pelo volume do embrulho só pode ser uns guarda-chuvas… Certo e sabido que no sapato lá estavam os ditos cujos presentes, que não surtiram tanto efeito como outros presentes dos anos da inocência. Que pena! Foi o Natal mais triste que eu podia ter. Afinal eram eles que nos presenteavam?! Que pena! Como gostava que fosse o próprio Menino que via tão sorridente naquela manjedoura, ladeado pelo bafo de animais submissos…
Daí para a frente tudo foi ficando menos brilhante… mas não revelei a minha descoberta porque temia acabarem-se as prendas. Sempre gostei de uma prenda fosse em que altura fosse. Depois senti na pele o que era dar prendas quando vi a alegria estampada no rosto dos meus filhos. Penso que descobriram tudo mais cedo que eu. Também não o revelaram e sei bem porquê.
Hoje, acho que se perdeu essa magia. Já tudo se sabe, tudo se tornou banal (ou talvez não…)
O que nunca se perderá é o PERFUME DE NATAL, porque esse é que nos envolve num regresso à magia do passado. Que nunca se destrua o perfume do amor, da partilha, da alegria e da amizade durante as quatro semanas do Advento.
Já cheira a desejos de FELIZ NATAL para todos!