Alforge de parágrafos após a festa serretense
Voltei ontem à minha residência (14 setembro 2012). Depois de desmontar malas, sacas e saquinhos, estafei de tal forma que a cama foi o local de remédio santo. Vieram comigo os ares de saudade, o perfume de flores garridas do altar e ruas da Santa Senhora, os abraços de uma despedida de “até breve” e a forte convicção de que jamais se viu uma Festa da Serreta tão apetrechada de maravilhas.
No dia 4 de setembro, terça-feira, abalámos com tudo o que podíamos levar para a moradia temporária do Ti João. O recinto para dormir ficou completo com dois colchões a lastro e uma cama para uma pessoa. Visitámos a Senhora dos Milagres na novena dos Motards. Já se sentia um perfume festivo. Chegado o sábado fez-se os arcos, tive o meu momento de apresentação da festa com reações positivas que me deixaram sorridente, complementando-se o sábado com um filme alusivo ao “antes e depois”, o concerto da Filarmónica Recreio Serretense e o fogo preso. O domingo foi por excelência o dia em que a Serreta teve um mar de gente no percurso da procissão e as canções na noite com “Os D’Banda”, em que Fábio Ourique deu largas à sua bonita voz. Antes desta atuação, tivemos ocasião de presenciar danças de salão em plena rua, atapetada de vermelho, com o brilho de crianças, jovens e adultos. Um espetáculo que ficará na lembrança por aquelas bandas. Adorei!
A tourada do pico da Serreta, na segunda-feira, foi a minha e de outros atrativa para manter uma tarde animada, que se completou na noite com a excelente atuação do grupo “Fado Madrinho”, depois da Orquestra de Cordas da Academia da Juventude da Ilha Terceira. Esta não cheguei a ouvir devido ao nosso atraso.
Mas foi a terça-feira, de manhã (até a chuva não aparecer e fazer o pessoal regressar ao lar), que o Bodo-de-Leite nos cativou a atenção com três carros alegóricos projetados e elaborados por César Toste e Paulo Gregório, respetivamente, com o apoio de muitos ajudantes. Fui com traje antigo numa carroça que nos pregou um pequeno susto durante o percurso inverso, uma vez que o cavalo aborreceu-se e teimava em não seguir viagem. De resto, foi uma maravilha nunca vista na Serreta, para comemorar os 150 anos da freguesia da Serreta, com direito a merenda e bolo de aniversário de propósito para repartir pelos presentes. O resto foi de chuva e adiamento do retorno dos carros alegóricos para a quinta-feira à noite.
A excursão ao mato, na quarta-feira, foi recheada de alegria, música, cor, brincadeiras, rodas, canções do passado, churrascada e muita pinga do garrafão. Algumas horas se passaram à volta da escolha dos toiros (4) para a corrida no caminho junto ao Santuário da Senhora dos Milagres. Já começava aquele sentimento de saudade e pena por estar a chegar-se o fim da festa. À noite, a cantoria foi de bom nível e prendeu-nos a atenção até para lá da meia-noite. Oito cantadores escolhidos, João Pinheiro e José Eliseu, “Santa Maria” (o Carlos Andrade) e Fábio Ourique, Valadão e José Santos, Maria Clara e António Isidro (de São Jorge), por esta ordem, fizeram brilhar os seus dons perante um assistência ávida por descobrir o melhor momento. Os primeiros fizeram-me correr as lágrimas, sobretudo na parte final, e os últimos têm mais encanto perante os ouvintes, pela juventude e graciosidade.
A quinta-feira já se esperava melhoria de tempo que teimava em molhar pequenos e graúdos, conforme é habitual naquele lado da ilha. Após a vacada no Pico da Serreta com a prata da casa, sucedeu-se o retorno do cortejo de carros alegóricos que culminou com fogo de artifício a sair do carro comemorativo dos 150 anos. De seguida, veio a surpresa de um grupo da ilha Graciosa que cativou a todos os presentes, que dançaram e divertiram-se até de madrugada. À meia-noite da quinta, foi para o ar uma surpresa anunciada: fogo de artifício pelo céu da Serreta que me fez lançar gritos de emoção com aquela magia de cor e som. Após esta maravilha, o grupo da Graciosa continuou os seus cantares mágicos para os nossos ouvidos e pés.
Na volta à casa que nos hospedou, fui chamada a receber uma oferta com palavras de gratidão da comissão de Festas da Senhora dos Milagres da Serreta 2012, nomeadamente por Dimas Romeiro, ladeado pelos restantes mordomos: Dora Pavão, Eva Silveira Alves e Rogério Valadão. Despedi-me de cada um com o sentimento de dever cumprido e muita grata pelo tributo que me fizeram ao levarem a efeito um sonho que já acalentara há muito. Modéstia à parte, vi desfilar as minhas criações perante os residentes, os emigrantes e os visitantes de outras freguesias da ilha.
A dor que tive foi ver que alguém (ou alguéns) destruiu partes dos carros alegóricos que ficaram em exposição junto ao Santuário da quinta para sexta-feira. O que é feito com amor e dedicação nunca se deve destruir sob pena da consciência do destruidor ser um martelo dilacerante para o resto da vida.
Tudo o que vi, ouvi e assisti, quer no Santuário quer fora dele, fez-me pensar que a Serreta é e será sempre a nossa identidade natural, o nosso ponto de encontro e uma marca indelével na devoção e na tradição que perdura para os vindouros.
Escrevi alguns parágrafos mas sinto que não há palavras que transmitam a minha felicidade do dia 4 a 14 de setembro, na minha freguesia natal. Não há palavras que agradeçam o suficiente à Comissão das Festas, ao amigo lajense – César Toste, bem como a Paulo Gregório, que segui com emoção toda a sua obra em prol do sucesso festivo…
Agradeço à prima Neves Ávila, à filha Ana Sofia Ávila e à sua Kika, alguns dos bons momentos passados em conversa agradável.
Agradeço a toda a minha família que me acolheu e à que veio em visita de saudade.
Resta-me deixar apenas uma expressão sem prazo de validade:
Amo-vos! Amo a Senhora dos Milagres e a “minha” Serreta!
Até para o ano, se Ela quiser.
Rosa Silva (“Azoriana”)