Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana).
Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1
Criações de Rosa Silva e outrem; listagem de títulos
Motivo para escrever: Rimas são o meu solar Com a bela estrela guia, Minha onda a navegar E parar eu não queria O dia que as deixar (Ninguém foge a esse dia) Farão pois o meu lugar Minha paz, minha alegria. Rosa Silva ("Azoriana") ********** Com os melhores agradecimentos pelas: 1. Entrevista a 2 abril in "Kanal ilha 3" 2. Entrevista a 5 dezembro in "Kanal das Doze" 3. Entrevista a 18 novembro 2023 in "Kanal Açor" 4. Entrevista a 9 março 2025 in "VITEC", por Célia Machado **********
Nota: Antes de escrever este artigo estava em estado normal. Não me apetecia rir nem chorar. À medida que o fui escrevendo apoderou-se de mim uma tristeza avassaladora ao ponto de o terminar abraçada às lágrimas que teimavam em fazer-se notar.
Fui à baixa citadina
Hora de almoço. Raramente a usufruo na plenitude. Hoje foi diferente. Tinha que ir por força da obrigação. Há “mandaletes” que não se podem mandar por ninguém. Temos que ir nós mesmos, mesmo que a vontade não seja cúmplice. Fui à baixa citadina, à nossa mui nobre e leal cidade de Angra do Heroísmo. Como é bonito pronunciar esta expressão dourada pelos anos que já se conta. Fui e voltei muito nas calmas, saboreando a rua, ora por um lado, ora por outro. Fui por uma e voltei pela outra e deu tudo no mesmo: a meta, o destino.
Apreciei os transeuntes, apreciei as montras e até entrei numa loja que sempre gostei de dar a volta e sair, mesmo que não chegue a adquirir seja o que for. Ouço apenas a música ambiente que é um alívio para a alma. Desta feita já é música natalícia… Trauteei em surdina, não fossem ficar pasmados a olhar para o meu rumor musical. Saí da dita loja e fui até à montra de outra. Pasme-se! Tinha precisamente um vistoso e lindo presépio com todas as peças: São José, Nossa Senhora, o Menino Jesus numa manjedoura e… que mais?! Será que ainda posso escrever?! Claro que ainda lá está, disponível para quem quiser adquirir, um BURRO e uma VACA. Gracejei com a cena junto de uma pessoa anónima e ouvi resposta adequada que nem me atrevo a repetir. Só sei que essa resposta ficou-me na mente e jamais a esquecerei… Não sabia o que fazer: se ria ou chorava. Ri todo o caminho de volta e nem me importei com quem olhasse para mim, mas por dentro chorava convulsivamente… Tive pena de neste dia precisamente ter perdido o meu oásis infantil, o meu Natal. Que lindo que era o meu Natal de menina inocente. Um recanto da sala todo preenchido com verdes e musgos, pedras e “bonecos da igreja”, parafraseando uma pessoa que conheço muito bem. Talvez agora lhe dê razão… Tenho muita pena que ela esteja certa… Que tenha nascido num tempo mais avançado que o meu… Que pena o meu presépio de criança ter que afastar um BURRO e uma VACA, agora.
Que importância tem isso? Podem perguntar à vontade e até podem responder-me com todas as frases galantes e certificadas com as leis do Divino… Mas não podem fazer ressuscitar o meu presépio da infância, tão linda e tão mágica que jamais terei ou algum ser meu familiar voltará a ter…
Vejo um futuro incerto Um passado em manjedoura Um presente boquiaberto E uma saudade vindoura.
Vejo a tela descambar Sem o burro e sem a vaca Vejo o demo a cirandar Com animais na estaca.
Vejo cruzes mais de mil Vejo fome em surdina E vejo no meu perfil Uma sombra da doutrina.
Vejo tédio, vejo dores, Vejo crianças gemendo, E a beleza dos Açores Vejo que a estou perdendo.
P.S. Há coisas que preferia não saber e muito menos vindas da mente do clero supremo. Ámen!
Vem agora a público (ou melhor soube) que “não havia animais” no presépio onde Jesus, Maria e José foram os residentes por um tempo natalício. Enfim, chego a pensar que prefiro agora saber que os animais são nossos amigos do que os humanos. Se não vejamos: antes, ou melhor, no tempo infantil que aprendi que o burro e a vaca tinham bafo quente para aquecer o Menino, eu própria não era simpatizante de animais de pelo. Com o passar da minha idade, sobretudo na fase que se chama adulta (por entrar nos #entas), comecei a aproximar-me doutros animais de pelo, que é o mesmo que dizer: gato e cão. Os burros e as vacas não lhes passo muito a mão no pelo. E olhem que cada vez mais há “burros” e “vacas”, que andam por esse mundo, com duas patas. Não vou explicar este meu raciocínio porque cada um que leve para onde quiser. Se não percebeu temos pena. Mas que os há, lá isso não tenho dúvida alguma.
Passando novamente ao presépio… Como querem que se mantenha intata a fé dos Homens?! Começo a ter muitas dúvidas em tudo o que me contam e des (contam). Estou quase a dar razão às bocas da descendência que contraria uma série de dogmas impregnados através da doutrina. Agora tiram o burro e a vaca, depois tiram as ovelhas e os carneiros, depois as cabras e os bodes, e sabe-se lá mais que animal embirrento virá por aí para ser retirado da convivência pacífica com o ser humano.
Ainda vou ter dúvidas se o meu gato não é a reencarnação de algum humano que partiu com vontade de ficar por cá. Ainda vou ter dúvidas se voltarei em gato ou cão e se dou uma boa dentada nalgum humano que me inquietou durante a estadia terrena… Podem crer que se voltar em cão ou gato (não quero ser burro nem vaca, livra!) vou morder em tudo o que me apoquenta neste momento.
Neste dia (e não me digam que estou deprimida ou com outra maleita qualquer) apetece-me mesmo é dizer que estamos a ficar velhos e caquéticos, para não dizer mais alguma palavra que roce a ofensa. Basta olhar para a cobertura capilar que apresenta uma série de brancos cabelos e o rosto apresenta olhos que já não enxergam “meia missa”. Haverá uma insanidade intelectual?! E todos já sofrem dela?! Não tenham dúvidas… O que ontem era uma verdade incontestada, hoje é mera brincadeira de fazer dormir os burros e as vacas de quatro pernas…
Tenham santa paciência e antes de abrirem a boca pensem no que irão causar de malefícios mundanos (incluindo os pobres dos animais que são bem melhores que muitos humanos que conheço).
Estou furiosa e revoltada, se é que se pode adivinhar na escrita supra.