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Açoriana - Azoriana - terceirense das rimas

Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana). Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1

Criações de Rosa Silva e outrem; listagem de títulos

Em Criações de Rosa Silva e outrem
Histórico de listagem de títulos,
de sonetos/sonetilhos
(total de 1010)

Motivo para escrever:
Rimas são o meu solar
Com a bela estrela guia,
Minha onda a navegar
E parar eu não queria
O dia que as deixar
(Ninguém foge a esse dia)
Farão pois o meu lugar
Minha paz, minha alegria.
Rosa Silva ("Azoriana")
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Com os melhores agradecimentos pelas:
1. Entrevista a 2 abril in "Kanal ilha 3"

2. Entrevista a 5 dezembro in "Kanal das Doze"

3. Entrevista a 18 novembro 2023 in "Kanal Açor"

4. Entrevista a 9 março 2025 in "VITEC", por Célia Machado

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Artigo histórico de Fagundes Duarte

23.09.13 | Rosa Silva ("Azoriana")

O ideal e recomendável seria pedir autorização ao autor e/ou ao diretor do jornal, para republicar na íntegra o conteúdo do Folhetim 637, de Luiz Fagundes Duarte, cujo título é nem mais nem menos do que o nome dado a um restaurante serretense, típico, claro está, e que me fez recordar outras eras numa história que já conhecia mesmo sem me lembrar do tal personagem nem da recente descoberta do que aconteceu às galochas do mesmo. Que a filha tinha falecido de corrente de ar também já sabia. Mas as galochas é que me plantaram um sorriso e, caso eu fosse leiga, perdoaria a ocorrência como medida de louvar a escrita sempre inimitável e sábia do conterrâneo Fagundes Duarte.

 

Leio e volto a ler.

 

Copio e colo como que numa vontade da escritura prevalecer tal e qual foi gerada e digna de ser considerada um ARTIGO HISTÓRICO, com todos os requintes de um passado recente. Desta escrita sem mácula podem-se extrair tantas vivências e formas de vida de um paraíso terrestre. Ei-la:

 

Folhetim (637)

 

Luís Fagundes Duarte

 

Ti' Manuel Xôa

 

Hoje não há na Terceira quem não conheça o restaurante típico Ti Xôa. Na Terceira, e um pouco por todo o lado, até porque já foi tema de artigos em grandes jornais de referência nacional. Mas muito poucos saberão o porquê deste nome. Por isso, e com licença do Sérgio Cardoso, seu proprietário, apetece-me hoje contar a história deste nome, que faz parte da minha história de vida.

 

Naquela casa, que era de pedra não rebocada, vivia o Ti' Manuel Tesoureiro, mais a sua filha Deolinda. Ele tinha sido emigrante por longos anos, primeiro na Argentina, e depois nos Estados Unidos, de onde regressara antes de eu nascer, não me recordando agora se a Deolinda já nascera ali ou separa ali teria vindo já nada. Sei que ele era viúvo, mas não me recordo de qualquer referência à sua defunta mulher: só sei que, durante toda a minha infância, viviam naquela casa o Ti' Manuel Tesoureiro mais a sua filha Deolinda - uma solteirona meia entradota e roliça, a dar para o serva de Deus, de basta cabeleira loira e óculos muito grossos de míope extrema assentados num nariz arrebitado com as narinas alargadas de tanto enfiar rapé. Ela passava o dia à janela, vendo quem passava com os seus olhinhos miudinhos, e ele na sua faina de lavrador pobre, muito magrinho nas suas calças de cotim, nas suas sapatas de sola de pneu atadas com atilhos de coiro, e, entre as calças e as sapatas, os baixos das suas ceroulas brancas com os atilhos a dar-a-dar. Quando o chão estava mais alagado, as sapatas eram substituídas por umas galochas de madeira, com que ele - clapt-clapt-clapt - assinalava o seu passar no alcatrão do caminho.

 

O Ti' Manuel Tesoureiro falava com um acento espanholado de ex-emigrante sudaca e, fosse a propósito do que fosse, exclamava sempre "xôa! xôa!", o seu bordão linguístico para significar "sim", "com certeza", "tens razão!", muitas vezes completado com um "sim" - "xôa que sim!" -, a marca indefectível de ex-emigrante nas terras a América que assim reproduzia o "sure!" que os americanos, no seu falar inglesado, tanto gostam de utilizar por dá cá aquela palha. E por isso era mais conhecido por Ti' Manuel Xôa, ou, mais lampinho, por Ti' Xôa - designação que o meu amigo Sérgio inteligentemente adoptou para nome do restaurante.

 

Entre outras coisas, o Ti' Xôa capava porcos, operação que nesses tempos de falar pudicício era designada por "amanhar": ou seja, ele amanhava porcos. Um dia, a chamado de meu Pai, foi lá a casa para amanhar um porco; mas como tinha chovido muito, a rua do porco estava toda enlameada - pelo que o Ti' Xôa, para não estragar as galochas novas, as deixou do lado de fora, arregaçou as calças e as ceroulas, afundou-se na porcaria da rua do porco (passe o pleonasmo), e enquanto sacava da navalha (com que também cortava as fatias de pão e os nicos de queijo de S. Jorge na hora da comida) para amanhar o porco - que desatou a gritar de morte, de tal maneira que ainda hoje me arrepia e me leva a proteger com as mãos certas partes de mim -, eu não resisti a um impulso cá de dentro e vai daí roubei-lhe as galochas e fui escondê-las na rua das galinhas ao lado. O pior foi a palmada que apanhei depois, quando o meu Pai descobriu a marotice, e o remorso com que fiquei quando, dias depois, a Deolinda, tendo ido pôr-se à janela depois de ter lavado a cabeça com água quente e sabão azul e branco, apanhou uma pancada de vento encanado e morreu. Assim.

 

Depois de enterrar a filha, o Ti' Xôa nunca mais foi o mesmo: era uma alma penada nas suas ceroulas e no seu "xôa que sim!".

 

E eu nunca me perdoei de um dia lhe ter roubado as galochas.

 

In DI. DOMINGO 22.SET.2013

Porque amanhã custa a chegar...

23.09.13 | Rosa Silva ("Azoriana")

Amanhã é um dia que anseio que chegue. Irão juntar-se alguns amigos da cultura popular açoriana no decurso de uma festa de Império, em louvor ao DES Divino Espírito Santo, de S. Carlos, de Angra do Heroísmo.

 

Um livro será lançado com a apresentação do Dr. Cunha de Oliveira cujo dom da palavra espera-se supremo. Haverá encontro de abraços para quem vem propositadamente para o evento: um amigo do continente que ama as ilhas açorianas, especialmente o que brota genuíno das mentes ilhoas. Seu nome é José Fonseca de Sousa que ao lado do nosso escritor Liduino Borba ficará, desta feita, no topo de um registo bibliográfico como um “açoriano” de coração.

 

Apraz-me escrever estas linhas vespertinas com o desejo sincero de muito sucesso nesta efeméride que traz a lume o culminar de uma homenagem ao Comendador, entusiasta da nossa cultura popular - Luís Bretão. Este, também, é um amigo que um livro me deu a conhecer, o meu livro apresentou e, agora, faz-se em livro o que é digno de o ser.

 

Nada acontece por acaso, é comum ouvir-se na voz do povo. Tudo tem um objetivo nem que seja o gosto por ver o brilho do olhar de quem nos habitua e concede sorrisos. O valor das pequenas grandes coisas é suficiente para ajudar na caminhada apressada pelo tempo que deixa um rasto de amizade e amor ao que faz crescer em sabedoria e valor cultural.

 

Por vezes o amanhã custa tanto a chegar. É o pensamento que me circunda hoje.

 

Não faltes ao saborear das palavras açorianas com um punhado de sorrisos e emoções fortes.

 

Rosa Silva (“Azoriana”)