Monólogo de sexta
16:28. Quarto silencioso numa ténue escuridão apenas camuflada com uma nesga de portada semicerrada. Um som vindo do piso inferior desarruma as ideias que se quedam no leito que serve de almofadado a um tormento intermitente. Lá fora, a rua que é sempre a mesma esteve, hoje, menos ruidosa. Os guardiões caninos de uma moradia em "standby" gemem no seu modo diurno. O mestre labuta em surdina interrompida por alguma peça que cai. De pouco ou nada servem as letras unidas por toques num teclado móvel e virtual. O dia é um punhado de igualdades. A tarde já caminha para a costumada noite que é apanágio de todos os sons que agoram mancam aos meus ouvidos. Jamais irei amar a solidão nua e crua, encurralada nas paredes do isolamento. Apenas a necessidade obriga a estágios de vida e vida diferente. Faltou-me o cheiro a café pingando da máquina matinal, faltou-me um beijo de aconchego, faltou-me o ritual dos dias iguais: levantar, lavar, vestir, comer, beber, sair beijando a cortina da alvorada, entrar no veículo acelerado de obrigações diárias e seguir o estado de graça laboral. Sem virar a linha que separa o parágrafo de uma escritura tonta eis-me prisioneira de mim, dos meus tormentos numa conchinha solitária mas em constante alvoroço de escritos com ou sem a bem-aventurada rima que é o bálsamo dos dias assim ou nem tanto. Eis-me na catedral de tantos escritos ditos poemas da inspiração com retalhos de paixão, alegria, tristeza, emoção, mas sobretudo com o que habita a moldura de um coração sem limites. Fica comigo agora e deixa que te diga e cante ao coração as palavras que jamais foram escritas mas existem no labirinto de um quarto à beira de uma nova noite que se espera de menor tormenta.
Rosa Silva (numa sexta-feira, melhor dia da semana)