29-12-2013: Recordações quem as não tem!?
Lembro o tempo de menina
São tempos que já lá vão
Quando eu era cristalina
Pura e simples de coração.
Os "titios", primos segundos,
Pla minha parte materna,
Quatro irmãos não fecundos,
Com uma bondade terna.
Um casou na dura idade
Sem filhos, só com sobrinhos,
Tive por ele muita amizade
Dele recebi carinhos.
Duas irmãs e outro irmão,
Por "Chico", a gente chamava,
Tímido de bom coração
Que tudo por nós ele dava.
A Maria era a mais bondosa
A Alexandrina a que findou
Uma geração silenciosa
Daquilo que se passou.
Órfãos de mãe muito cedo,
Aos cuidados do seu pai,
Mas nunca tiveram medo
Da sorte que a todos sai.
Trabalharam e ensinaram
Muita coisa que eu fixei
E com eles também levaram
Tudo aquilo que amei.
Lindas ameixas roxas,
Tinham numa ameixieira,
Framboesas pareciam trouxas
Num silvado à sua beira.
Fatias de pão caseiro
Com bom doce de amora
Bela casa com braseiro
Que a mente não ignora.
Um curral para as galinhas,
Com seu galo pra Matança;
Sempre um copo prás vaquinhas
Que na mesma hora avança.
Não havia outra fervura
Ia em direto para a boca
Tal leite era uma doçura
Que sabia sempre a pouca.
Passei tempos ao seu lado
Tardes longas de afeto
Até o pano remendado
Aprendi sob o seu teto.
Agulha e linha d'algodão
Alva naquele pano branco
Era a melhor lição
Que nem precisava de banco.
Na cama onde dormiam
As duas irmãs amigas
Que tanto me conheciam
Por mim tiveram fadigas.
Quando a noite tombava
As horas de maior brilho
Ao colo, coberta, voltava
Sempre pelo mesmo trilho.
A primeira a falecer
Plantou-me uma agonia
Mais eu não pude fazer
Pela bondosa Maria.
Dimas Lopes a visitou
Mas não houve cura então
Do Hospital só voltou
Para a frieza do chão.
Mais tarde foram os manos,
Já tinha eu outra morada,
Eram bons seres humanos
Que no céu deram entrada.
Alexandrina, mãe de Crisma,
Que me fazia chorar
Por no fim ter uma cisma
Do passado ressuscitar.
Foi-se sem me despedir
Nem lhe dar mesmo amor
Lembro dela a sorrir
E a dar-me tanto valor.
As "sobrinhas" para ela
Eram o seu património;
Tantas vezes à janela
A rezar a Santo António.
Talvez pedindo pra lhe dar
De volta as suas meninas
Que andavam a brincar
Rindo, rindo, cristalinas.
A saudade hoje perdura
Dos passeios feitos a pé
De ir buscar folhas e verdura
Pra Jesus, Maria e S. José.
O seu beijo era doce
Como doce é a lembrança
Quem dera que não se fosse
O tempo que não se alcança.
Digo com sinceridade
Que vivi a melhor parte
Do tempo de mocidade
Sem saber se tinha arte.
Hoje sei que eu a tinha
Bordada de letras de ouro
E que hoje ela vinha
Construir este tesouro.
A hora é especial
O minuto nos dá rigor
2013 no final
Pra louvar este AMOR.
Louvo a outra geração
Que me ensinou a trilhar
Toda a grande admiração
Que hoje estou a partilhar.
Amem muito os ascendentes
Mesmo os que já partiram
Raízes sempre diferentes
Que em suma nos construíram.
Se contares estas rimas
E te derem número par
Vais saber quem mais estimas
Quando saíres do teu lugar.
29 de dezembro de 2013
Rosa Silva ("Azoriana")