Lira do silêncio (talvez um hino ao idoso)
Vesti-me de um sonho noturno.
Temi a brasa da solidão.
No entanto e por seu turno
Andei contigo pela mão.
No tempo em que me dera
Ser a luz do teu abrigo
Hoje finito na espera
Da palavra que não digo.
O silêncio é o solavanco
Que de noite me acorda
Nenhuma palavra é banco
Nem tão pouco cai à borda.
Sonho valados de bruma
No teu corpo cinzelado
Por vezes sonho cada uma
Palavra sem texto formado.
E a saudade não impera
Pela falta que me fazes
Há sempre uma primavera
Pró silêncio dos audazes.
O pranto faz-se em pessoa
Que sente o que já se foi
Em mim nada se apregoa
Do que nem sequer me dói.
Parada no meu declive
Numa cama sem sentidos
Sonho com o que não tive
Penso nos fins esquecidos.
Pouco a pouco, levemente
Como quem arde sem fogo
Acordo constantemente
Na labareda do jogo.
Um jogo de pouca dura
Que só por ti quis jogar;
Embrenhei-me na cultura
Quis colher o verbo amar.
Se o amor fosse segredo
Os meus seriam graúdos
Como ave em arvoredo
Sempre com ramos tesudos.
Hoje é tão pouco o que faço
Em carne de viva alma
Escrever é o meu passo
Meu antídoto, minha calma.
Já te disse que o amor
É palavra boquiaberta?!
É sentir e dar valor
Ao que nos toca na certa.
Toca-me com tua voz
No ouvido da candura
Segue o cálice de nós
Que rega a viva cultura.
De joelhos, rente ao chão,
O rosto é moribundo
Por um naco de salvação
Por um sorriso fecundo.
Entre bruma e marés
Entre a terra e o mar
Entre a proa e o convés
Entre o partir ou ficar…
Há de haver quem me defenda
Da colina em parapeito
Do soslaio de uma fenda
De algo que eu tenha feito.
Porque prescrevo o bem
Em cada texto redondo
Quando o texto só me vem
No silêncio dum estrondo.
O estrondo do coração
É a catedral da vida
Onde reina a criação
Da palavra mais sentida.
Dou-te palavras somente
Onde a verve está sujeita
Ao que ressalta da mente
E no coração se deita.
No dorso deste meu sonho
Acordado pela aurora
Veio a escrita que deponho
No regaço desta hora.
Rosa Silva (“Azoriana”)