Não os esqueço...
Depois de ler algumas peças encantadoras de um escritor picoense, cujas raízes lembram mares e navegantes companheiros de Santo Amaro, pus-me a pensar: Como é bom ser-se nado na ilha, nas ilhas deste mar de anil açoriano. Há quanto tempo ando eu entre verdes e azuis naturais, sem corantes nem conservantes? Há meio século! E sempre vi ouro, incenso e mirra, tal como viu o ancião “Menino Jesus”. O ouro madruga por Angra e põe-se no horizonte entre S. Jorge e a Graciosa, deixando um rasto dourado, pincelando o céu até que se esconde para dar lugar ao negrume de uma noite de sonhos ilhéus. O incenso povoa as aldeias, ditas freguesias, dando-lhe tonalidades e odores pacíficos. A mirra também dá ares de sua graça, mesmo que espinhosa vai curando muitos males de solidão, sobretudo.
Ah, como é bom viver na ilha! Onde o mar é o companheiro permanente e presente com os melodiosos e compassados murmúrios de consolo ou num labirinto como que fazendo adivinhar o rumo da tempestade. Da terra que raramente descansa porque o dia lhe desperta os sentidos da produção, nem que seja de ervas daninhas ou o alimento de aves que rodopiam os céus coroados de nuvens cujas tonalidades são sinais de temperamento.
Ah, como é bom saber que os nossos ilhéus navegam para outros lares e levam consigo o coração da ilha, que bate incessantemente como que fazendo lembrar o que foram, no início da sua criação. Gosto de ler os seus episódios recheados de sentimento, de palavras pontiagudas de saudade, de desejos adormecidos na ponta do sonho que se quer real no regresso às pedrinhas do cais, ao caminho asfaltado em vez daquela bagacina encarnada onde os passos trauteavam a melodia do andamento, aos abraços de braços esticados ante a chegada, às lágrimas felizes que escorriam pelo rosto trazendo o calor do coração familiar. Ai, saudade! Saudade daqueles que mirraram e jazem numa quadrícula terrena, pequena, que visitamos sempre que a alma nos pede.
Nomes bailam na minha mente. Não os esqueço. Permanecem intatos e serenos no meu coração. Lembro deles como se existissem no candelabro de uma montanha erguida aos céus, implorando a graça de mais um dia vistoso para que possa ver as suas irmãs ilhoas, num triângulo verdadeiro e insular. Ai! A saudade derrete-me em palavras de carinho num misto de emoção e recordação.
Bem-haja a quem me faz desfolhar escritos de sabor açoriano, de um povo insulano.
2014/09/09. Rosa Silva (“Azoriana”)