Cantoria entre Ferreirinha das Bicas e filho, Luís Carlos Ferreira
Nota prévia: Desculpem se algum verso não está exato. Se por acaso isso notarem é favor avisar para que o retifique. Muito obrigada.
CANTORIA (15:03)
Com Ferreirinha das Bicas e Luís Carlos Ferreira
Viola - Amâncio Rocha
Violão - Diamantino Ávila
Disco - “Levei a Vida a Cantar” - 1979
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Com minh’alma oprimida,
Com meus versos inferiores,
Venho dar a despedida
À glória dos cantadores.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Eu na minha mocidade,
As quadras iam surgindo;
Agora com esta idade
As ideias vão fugindo.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Ó meu pai tu podes crer,
Que nada sou nesta hora;
Mas gostava de saber
Tanto como o pai agora.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Eu cantava com alegria,
Nessa época santa e qu’rida,
Julguei que a vida me fugia
E é que vou fugindo à vida.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Pai ainda cantas bem,
Fazes o povo vibrar
E cá não temos ninguém
Que faça o teu lugar.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Dou, às vezes, em pensar,
Em colegas que morreram;
E eu não tardo a acompanhar
Esses que desapareceram.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Pai não deixes de cantar,
A pedir-te a tal me obrigas,
Porque o povo vai achar
Falta das tuas cantigas.
FERREIRINHA DAS BICAS:
A vida é cheia de dores,
Tu ainda a vida gozas;
Entre cardos viçam flores,
Entre espinhos viçam rosas.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Ó meu grande cantador,
Mestre que valor encerra:
Tu ainda és uma flor
Dos jardins da nossa terra!
FERREIRINHA DAS BICAS:
Não tive quadras famosas,
Fazia simples cantigas,
Porque o campo que dá rosas
Também chega a dar ortigas.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Nem todas as plantas dão flores,
Nem todas frutos também,
Nem todas bonitas cores…
É isto que a vida tem.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Fui flor que desabrochou,
Quando a vida era bela;
Veio o tempo que a secou
Resta muito pouco dela.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Dizem pessoas amigas,
Das gentes que te são queridas,
Que restam tuas cantigas
P’ró resto das nossas vidas.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Na América e nos Açores
Cantei de boa vontade;
Conquistei admiradores
Só me resta a saudade.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Na América o pai cantou
Os teus versos superiores,
A alto nome o levou
As nove ilhas dos Açores.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Quando vou a um coreto
Já nada de mim se espera;
Estão vendo o esqueleto
Daquele pouco que eu era.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Com as belas quadras tuas,
Sempre alegre e sorridente,
Mesmo velho continuas
A agradar a nossa gente.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Junto ao teu berço cantava
E dizia doces falas,
Nesse tempo é que te embalava
Agora é que me embalas.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Creio quando me embalavas,
Como o vento as espigas,
Nessa altura me cantavas
As mais bonitas cantigas.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Meu filho para teres brilhos,
E na vida seres feliz:
É fazeres aos teus filhos
Esse pouco que eu te fiz.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Sou feliz como ninguém,
À vida formo empenho;
É feliz o filho que tem
Um pai santo como eu tenho.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Que sejas bom cantador,
Sem pensares traiçoeiros,
Que sejas respeitador
P’ró público e companheiros.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Tudo na vida se esvai,
Num minuto, num segundo,
Mas os conselhos de pai
Ficam sempre neste mundo.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Canta de forma risonha,
Muita calma e sensatez,
E nunca tenhas vergonha
De seres um bom português.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Diz minha voz magoada,
Meu rosto lavado em pranto:
Que ser bom não custa nada
E que ser mau custa tanto.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Já te disse muita vez
E que te sirva de lição:
Para seres bom português
Tens de ser um bom cristão.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Ó pai quem nunca nascesse
P’ra uma terra partida,
Talvez que nunca sofresse
Na curta estrada da vida.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Há pobre que se consome
Por imerecida pobreza;
Se vires alguém com fome
Põe mais um prato à tua mesa.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Serei sempre bom cristão,
Praticando a caridade;
Procurarei dar a mão,
A quem tem necessidade.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Meu filho repara nisto,
Não julgues que é loucura,
Ele até pode ser Cristo
Que vem à tua procura.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Ó se tal acontecesse,
Em hora, minuto ou segundo,
Não havia quem conhecesse
Mais alegria no mundo.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Para a vida nos sorrir,
Ser mais leve a nossa cruz;
Ser democrata é seguir
As pisadas de Jesus.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Se assim todos pensassem,
Mas pensassem bem a fundo,
Talvez que se acabassem
As guerras em todo o mundo.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Falam em democracia,
Que falsidade atrevida;
Há tanta hipocrisia
Em tanto peito escondida.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
E pó que se empoeira
Tantos que se sujam nela,
E a nossa ilha Terceira
Está bem repleta dela.
FERREIRINHA DAS BICAS:
É melhor ficar calado.
Adeus ó nobre assistência:
A todos muito obrigado
Por vossa benevolência!
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Agora p’ra não maçar
Com quadras sem conter brilho,
Todos devem perdoar
Ao Ferreirinha e seu filho.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Levei a vida a cantar,
Pobres versos aleijados;
E agora levo a chorar
Em perdão dos meus pecados.
LUÍS CARLOS FERREIRA:
Ouçam esta gravação,
De quadras pobres e ricas,
Que é uma recordação
Do Ferreirinha das Bicas.
FERREIRINHA DAS BICAS:
Eu fui seguindo este trilho,
A cantar com filho amigo;
Que Deus te abençoe, meu filho,
E a paz de Deus seja contigo.
Fim