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Açoriana - Azoriana - terceirense das rimas

Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana). Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1

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Criações de Rosa Silva e outrem
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#4 Carta à moda antiga - transcrição

12.06.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Carta #4 - transcrição

"2/03/2005...não siô agora é assim 2005/03/02

Meu bão amigo Zé

Aceitei um desafio, não, nada igual aos que fazíamos na praia do fundo da Ilha, mas para escrever uma carta de Amor ou de Ódio!
Como nunca odiei ninguém e como amor é tão diversificado... não te rias, pois tal como tu... continuo a contrariar Fernando Pessoa... já que recordo com saudade, os bons momentos que passámos quando líamos as que recebíamos nas visitas às cadeias, hospitais cívis e militar! Lembras-te?
Perdi o teu rasto há vinte e oito anos...nessa terra vermelha que era tão nossa! Escrevo-te esta carta de tão longe e nem sei se alguma vez a irás ler, mas vou tentar fazê-lo sem chorar...pois claro continuo na mesma ...ou melhor... cada vez pior!
Zé, assenta-te aqui nesta ponte, com os pés pendurados sobre a Lagoa do Panguila cheinho de nenúfares e dá-me a mão...ou deixa-me encostar a minha cara no teu peito! Posso? Hummm assim mesmo!
Estou velha...estamos velhos meu amigo e sinto-me tão cansada! Tinhas razão quando naquele dia dissestes que eu ia ser muito infeliz...por amar quem nunca me iria amar...e que me lembrasse sempre de ti. Tantas vezes recordei a nossa grande amizade, a minha...pois tu ias além disso, mas Zé ambos sabíamos que nessas coisas ninguém manda e cada um tem o seu destino marcad! Mas a tua sábia leitura nas águas claras do Bengo, o mesmo que corre aos nossos pés... foi tão verdadeira!!
Mas já passou...embora a chaga se abra como uma goiaba, quando te tão madura...se toca nela!
Onde estás? Onde vives? O que fazes? O teu kissange? A molembeira ainda existe? O kapusoka ainda funciona? O toque do silêncio ainda o escutas? Ou o quartel mudou de lugar? O embondeiro ainda tem os nomes do nosso grupo, feitos com a tua pequena navalha?
Vou falar um bocadinho de mim, pouco dir-te-ei do muito que passei, pois deixaria de ser uma carta!
Vivo em Portugal! Sim Zé depois de ter estado no Brasil, vim para a “metropole”! Povo bom, mas foi duro de enfrentar, porque em nada eram alegres, fechados, tudo fechado, vive-se fechado, morre-se fechado... e o clima? só há três meses de calor e nove meses de frio, frio a que não me habituo!!
Trabalhei na mesma profissão que tínhamos e agora tou reformada!
Tive a sorte de viver pertinho do mar, o mesmo da nossa terra...e quando vou lá, seja calor ou frio...pergunto por ti ao horizonte! Mas o silêncio é sempre profundo... tão dolorosamente silencioso!!
Aquela “maboque” que pegastes na hora da partida, hoje está uma bela mulher e deu-me uma linda neta! Imagina, já sou avó e nunca pensei sentir o que sinto...Mas o que não sabes é que tenho outra filha, também linda, mas se a visses...dizias do alto do teu metro e noventa...xiii é a meniné xapada!!! E tu? Fresco e bonito como eras e és.. ah..ah... como gostaria de saber!
Queria ser suficientemente louca como fui, partir de novo não sei bem para onde, encontrar um diálogo e não um monólogo, dar mas receber, sorrir e ver sorrir, acarinhar e ser acarinhada!
Zé queria aquilo que nunca tive, mas sabes...sou feliz, porque apesar dos pesares, nada conseguiu destruir a minha capacidade de sonhar, sorrir e ter esperança, a mesma de há vinte e oito anos!
Deixo-te aqui nesta carta, o que sempre ouvistes e que anotastes no teu bloco! Ainda o tens?... a minha vida foi sempre construída de “NADAS”, mas “NADAS” tão cheios de “TUDO” e que no mar da vida há ondas fortes...(que eu chamo de momentos) onde não nos devemos afundar, porque quando elas passam, tudo se ilumina, tudo se transforma!
Pois é Zé...não é carta de amor, ou será que a amizade não é uma forma de amor?...talvez um dia, quem sabe, te encontre, aqui ou noutro local, num desses “momentos” ou talvez num desses “nadas” para poder dizer-te... que fostes, és e serás sempre o meu grande amigo no meio de tantos que tivémos e poder ouvir-te, pela primeira vez a chamares-me pelo meu nome!
Munguenê e aguardo notícias tuas na vorta dos corrêo... pá!"

Datada de 02-03-2005