Carta aberta a um filho distante...
Angra do Heroísmo, 28 de Setembro de 2008.
"Atenção: Bateria fraca". 11:08. Acabo de sair da leitura de uma das páginas de um livro recebido há 2 dias. E antes que se apague o telemóvel que me leva e traz as notícias alegres e tristes, por mensagem benévola, vou rapidamente reler a mensagem que guardei no dia 13/09/2008, na festa da Senhora dos Milagres, da freguesia da Serreta, pelas horas marcadas 07:42, que não correspondem à exactidão do tempo:
Já perdi a conta das vezes que li esta mensagem e, lembro que, respondi a ela, no próprio dia, várias vezes com o que me vinha à mente envolta pelas lágrimas que rolavam cara abaixo. Imaginas o que sente uma mãe que está afastada do filho por um oceano inteirinho?! Imaginas o que sente um filho que está longe do mar que rodeava a terra que o embalou nos primeiros tempos de vida até chegar a vontade de ser alguém e de provar que consegue ser adulto?!
Não é fácil responder a estas perguntas exclamadas. Nem a própria mãe consegue fará os outros que não sabem de quase nada de um núcleo familiar coxo...
O telemóvel ainda não perdeu a bateria de vez, mas raramente me traz mais notícias. Sou eu que, vez em quando, ligo e pergunto: - Então, filho, como estás? Vem para cá. A mãe não te pode valer agora porque está com um problema grave... Ele responde que é impossível vir agora, que vai procurar algo para sobreviver... Então, eu insisto, filho procura alguma forma digna de sobreviveres ou volta para cá e a tua namorada, se te ama, consegue esperar por ti... (Digo-lhe isto mas não estou convencida desta parte. Como é que alguém consegue apartar-se, por muito tempo, se está habituado a ouvir, ver, tocar e sentir a pessoa que está ao seu lado há 3 anos?).
Entretanto, enquanto espero o telemóvel não desligar de vez, para logo o recarregar como que à espera da vinda de novas mensagens que não podem ficar sem leitura, ponho-me a pensar:
Com a idade do meu filho eu já estava grávida dele e 5 meses a seguir ele nasceu com uma beleza fora de série. Era o primeiro filho e trazia consigo toda a alegria que me deu porque eu percebi, finalmente, que podia ser mãe. Tudo fiz por ele, tudo o que sabia e podia. Minha mãe não me conseguia ajudar em nada, fruto da esclerose múltipla, apenas me dava conselhos de valor incalculável. Lembro-me que chorava quando o lavava para nada lhe acontecer, para não o magoar. Lembro-me que o deixei no hospital internado porque ele chorava muito e veio-se a descobrir que sofria de uma infecção urinária. Um santo médico é que descobriu a forma exacta de lha curar, já fora do hospital. Nessa altura, eu quando chegava sem ele, no colo, a casa, olhava o berço vazio e chorava muito, muito... Era o primeiro afastamento do filho que tanto queria e ficava apartado de mim no hospital. Nem eu podia lá ficar com ele porque na altura os bercinhos não estavam nos quartos habituais, qualquer coisa se passava que não era possível ficarem as mães, mas eu ia vê-lo sempre...
É por estas e por outras que não consinto na minha ideia que se apartem as pessoas umas das outras. Dói muito, muito. Quando se é uma família de coração inteiro não se pode apartar muito tempo. É normal que chegue uma fase que há que seguir o novo rumo. O rumo do futuro e, logicamente, acabamos por nos apartar todos...
A partir daquela mensagem de telemóvel, tudo me faz lembrar dele. Todas as leituras que faço, todos os escritos que escrevo têm um fundo de lembrança que me faz depois correr as lágrimas que vou escondendo dos outros dois filhos... Já sinto que eles também me vão causar o mesmo sentimento quando chegar a hora igual (ou parecida) do irmão.
Hoje, quando peguei no livro dos “Capelinhos – As Sinergias de um Vulcão”, que recebi há 2 dias, após vaguear pelo Índice, da versão portuguesa, o meu olhar foi de encontro ao capítulo trinta, cuja indicação é: “O Vulcão Salvou-me a Vida – Uma estória ficcionada”, por Ralph Roger Glöckler. Corri até à página 299 e fiquei a ler por um bocado. Lia e pausava. Voltava a ler. Lembrei-me que um terramoto também me tinha salvo a vida e queria perceber se a fórmula era a mesma, mas não é. Eu não emigrei para lado nenhum, apenas fiquei sem ir ao Liceu, porque ele fechou na altura para albergar famílias... Para quem não gostava de estudar, o terramoto podia ser interpretado como uma forma de salvação. Tal pecado este meu...
Se eu não tivesse estudado tão devota e renhidamente jamais podia agradecer a meus pais pelo que hoje sou. O meu agradecimento foi feito tardiamente pois eles já não viram o tanto que eu já coloquei de letrinhas a voar pelas ondas tecnológicas... Tal pecado este meu...
E agora o que fazer de um filho maior de idade que teve um Pai-Estado, que nem é o pai biológico, que é formado por um conjunto de pessoas que se entrega de alma e coração a proteger os filhos todos e de todos, e que agora está formado numa escola profissional, tem o tal “canudo” e precisa ter uma certeza certa: o estágio lá fora e/ou a volta para enfrentar a sua vida adulta: o primeiro emprego.
Ainda não sei qual será o seu primeiro emprego mas estou convicta que algo irá ser porque cá, por enquanto, só se faz um terramoto e um vulcão é na minha mente que, constantemente, larga tremores de agonia e lavas de saudade do primeiro filho que não consigo ajudar mais, tal como aconteceu com a minha falecida mãe que, sentada numa cadeira de rodas, só me dizia como fazer isto ou aquilo...
Com isto tudo a única coisa que me faz aliviar a tormenta é saber que jamais esquecerei o Governo Regional que o ajudou durante 3 anos da sua vivência pós escolaridade obrigatória. Três anos são 1095 dias de uma pessoa... E ele, meu rico filho, nunca perdeu ano nenhum e teve o tal diploma (“canudo”) que pode apresentar em qualquer lugar que se apresente...
Não tenho coragem de pedir mais ajudas... Seria não deixar o meu filho lutar por si próprio para conseguir o que a mãe também lutou para conseguir. Agora estou a lutar por conseguir um tecto firme para os meus três filhos, porque dois menores ainda estão sobre o mesmo tecto que não é nosso...
É difícil, juro que é. Só uma mãe sabe o quanto é difícil não saber se o filho comeu, se dormiu bem, se tem roupa para vestir quentinha, se chora, se ri, se canta, se grita, se morre devagar... Se se lembra que hoje era o primeiro Domingo, após o seu nascimento, que a mãe estava na casa da avó da Serreta com ele e chorava porque ele chorava muito ao ponto do pai sair zangado porta fora porque não dormira nada e tinha de trabalhar em horários diferentes do comum trabalhador. Decorria o Domingo dos Toiros do Porto dos Biscoitos, tal como decorre hoje, passados exactamente 22 anos o mesmo tradicional Domingo do Porto dos Biscoitos...
Eu não vou aos toiros tal como não fui naquele Domingo primeiro da tua vida, filho. Que este texto seja a lembrança que fica para ti. É que a mãe às 12:07 repete o choro de então mas por te saber longe e adulto. Tu que nunca esqueces do aniversário da tua mãe (não me pregas petas) e eu, que também, haja o que houver, te ligo a dar os Parabéns! Quem me dera ser viva para te dar os parabéns por uma vida organizada e feliz...
“Atenção! Bateria fraca”, é o novo aviso que me soa na frente... E eu sei que se vai desligar imediatamente o telemóvel que nos liga a gente viva por muito distante que esteja enquanto tiver bateria e dinheiro...
E uma expressão conforta a minha mente: “A um pobre não se dá peixe mas ensina-se a pescar”. Talvez comas peixe agora... Antigamente não gostavas de peixe. A culpa foi minha porque não vi uma espinha que ficára atrás na refeição que te marcou para sempre. Mas como vou ensinar-te a pescar de tão longe?! Talvez já saibas melhor que eu como se faz boa pescaria. O que me conforta, filho, é este dom que Deus me está dando, de soltar os meus nervos para este novo papel que não me prejudica tanto como se gastasse em caixas de comprimidos que fazem fingir que a vida é bela... Este é o meu mar de palavras, sem peixe.
- Filho, que a Senhora dos Milagres te guie os passos e que não te deixe cair nas tentações de um mundo egoísta. Quando puderes volta ou, então, tenta arranjar uma fonte de sobrevivência...
Um agradecimento muito especial ao Governo Regional dos Açores, que desde o ano 2005 ajuda o meu filho a tirar o seu curso preferido. A lembrança deste dia fica com a minha nova assinatura com a colaboração do meu benjamim que é o único que acompanha os meus escritos, que são laços que nos unem na simplicidade do sonho... São momentos, que foram iniciados em 9 de Abril de 2004, com um artigo que já, na altura, era um pedido de socorro e que talvez venha a ser uma fonte de sobrevivência para uma família inteira. Nunca se sabe nem nunca se pode dizer nunca... Redondâncias existem tal como existem talentos dentro da pobreza. Ninguém come terra nem mar se não lhe ensinaram a cultivar e a pescar. Muitos beijos para ti, filho da ilha Terceira, Açores, Portugal. Se precisares chora porque todo o homem chora quando precisa. Não faço mais parágrafos porque estes totalizam 22, que ocupam 3 páginas, com 131 linhas, com mais de 1800 palavras e com mais de 9900 caracteres, incluindo os espaços. Por hoje é tudo... Toca o telefone... É Luís Bretão a agradecer a homenagem que lhe dediquei e saiu no jornal “A União”, ontem... Vês, filho, as homenagens querem-se em vida e esta que fiz com todo o carinho e com os versos que amo chegou em vida. Se a mãe morrer antes de te ver, porque ninguém sabe o dia nem a hora da partida única de além-mar, lembra-te que te fiz esta homenagem sem saber se continuarás vivo da vida que não consigo dar-te. Só posso dizer: Amo-te! Tua mãe é Rosa Silva mas é e sempre será...