O forno
Não é saudade isto que sinto
Por te ver fornalha ardente
Doutras eras que pressinto
Estarem dormindo somente.
Não é vontade de retorno
Do calor tão abrasivo
Que à boca desse forno
Mantinha meu ser activo.
Não é tristeza anilada
Por não mais ter o pão alvo
É simplesmente a toada
Que na mente ponho a salvo.
A lenha cantarolava
Sua queimada agonia
Mas ao povo ilhéu dava
O pão-nosso de cada dia.
Há o forno duma vida
Que arde por todo o ser
Em saudade adormecida
Por quem já não posso ver.
Suas mãos tão calejadas,
Junto à chama, tão quente,
Cozendo as escaldadas
Da Quaresma repetente.
Pela Páscoa: os folares,
Pela Festa: massa sovada;
Outros pães em alguidares,
P'lo tempo da desfolhada.
O milho vai rareando,
O trigo é importado;
O forno, de vez em quando,
Traz ao presente o passado.
Rosa Silva ("Azoriana")