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Açoriana - Azoriana - terceirense das rimas

Os escritos são laços que nos unem, na simplicidade do sonho... São momentos! - Rosa Silva (Azoriana). Criado a 09/04/2004. Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Açores. A curiosidade aliada à necessidade criou o 1

Criações de Rosa Silva e outrem; listagem de títulos

Em Criações de Rosa Silva e outrem
Histórico de listagem de títulos,
de sonetos/sonetilhos
(total de 1013)

Motivo para escrever:
Rimas são o meu solar
Com a bela estrela guia,
Minha onda a navegar
E parar eu não queria
O dia que as deixar
(Ninguém foge a esse dia)
Farão pois o meu lugar
Minha paz, minha alegria.
Rosa Silva ("Azoriana")

Amarrotada na estrada! (2)

09.01.05 | Rosa Silva ("Azoriana")

Antonino das Bicas era o nome por quem era conhecido o "dono" desta recatada família. Tinha 49 anos e era mais novo que a esposa três anos. Viviam aparentemente felizes numa casa de três andares. Um dos andares estava arrendado a uma senhora elegante na casa dos cinquenta, que se dizia prima da D. Belmira Estrela. Tivera muitos anos no estrangeiro e voltara com uma avultada fortuna.

Enquanto não arranjava casa própria, a prima, D. Belmira, tratou de lhe destinar um andar da casa. Clarisse da Purificação (pura, só após o duche e durante breves segundos!) ficou radiante com esta gentileza da prima Belmira. Só havia um pequeno problema: a demora na escolha de nova residência por parte de Clarisse... Estava difícil encontrar casa para morar um pouco mais além. É que o "aquém" estava-se a tornar inquietante. Os gatinhos eram os bichinhos de estimação da senhora e provocavam alergia a Belmira, que evitava tudo por tudo contactar de perto com os "bonitos bichanos".

O marido, Antonino, já várias vezes protestara contra esta invasão. Esta "prima" tinha de seguir seu rumo...

 

Sem saber de nada do que se passava com os pais, lá ia no seu rumo certo. Ermelindo, todo janota, com seu blusão cinza de gola alta, calças pretas, gorro, luvas e um casaco de cabedal (sim... porque esta farda já tinha habituado o olhar de toda a vizinhança!). O seu destino era o bar junto ao mar, que tanto o animava nas horas frias de um inverno de almas. Baixinho ia cantarolando, porque só tinha ouvido para a canção porque, de resto, a voz tinha ficado entalada nalgum armário das bolachas (em pequeno gostava muito de roubar a sua bolachinha às escondidas da mãe):

- Lá, lá, lá, lá...na, na, na, na... Estou à beira-mar... Está um frio de rachar... Acho que minha mãe vai ralhar... Por chegar tarde ao jantar... Lá, lá, lá, lá... na, na, na, na...

Qual não foi a sua felicidade quando avistou uma moça sentada na mesa do bar. Olhou de relance mas não fez muito reparo. Seguiu até ao balcão e pediu um café e cigarros. Sentou-se no banco junto ao balcão e acendeu o primeiro cigarro. Depois outro... E mais outro... E de repente olha e não viu a moça. Para onde teria ido ela? Nem viu o "garçon" recolher os trocados das mãos de tão fino ser...

Ficou pensativo e ao mesmo tempo uma névoa da tristeza embalou o pensamento. Ah! Voltou... Afinal tinha saído por uns leves momentos de arejo de alguma onda.

Ela sentou-se à mesinha e notou aquele olhar azul, da cor do sonho, vigiando o dela... Sentiu-se corar, mas manteve a pose elegante e um sorriso escapou-se-lhe por entre uns lábios carregados de uma pintura sábia. Apercebeu-se que Ermelindo não tirava os olhos dela. Já estava a ficar embaraçada mas eis que de um rompante, levantou-se e foi direta ao balcão:

- Posso saber porque me olha tanto?

Ele não esperava esta reação e sentiu um calafrio:

- Eu? Eu... Bem, eu estou esperando uma amiga. Ficou de encontrar-se comigo aqui neste bar. Já está a passar da hora... Deve ter-se atrasado ou então não pôde vir. Detesto esperar... Oh! Mas desculpe... De certeza estou a falar demais... Perdão!

Ela, sentiu os pés estremecer e retorquiu:

- Não precisa pedir desculpa. Eu também já me cansei de esperar um amigo que combinou aqui estar... Disse-me que era pontual e até agora nada...

Ambos olham-se de novo... (silêncio que baste para três ou quatros moscas voarem de um lado ao outro). Quem primeiro quebrou o gelo foi Ermelindo:

- Ah! Peço desculpa... Nem me apresentei. Meu nome é Ermelindo.

À segunda-feira Dory, não trabalha no restaurante. Faz folga semanal. Por isso, saiu do emprego e foi dar uma volta até à beira mar. O ambiente no emprego de pronto a vestir anda muito mau. A crise é geral. Estava frio mas ela precisava de apanhar um pouco de ar e pensar na vida. Perdeu-se em pensamentos…e eis que de repente repara que Ermelindo está de papo feito com outra mulher…

Perdeu a noção do tempo e reparou que estava atrasada para a visita semanal que fazia à mãe todas as segundas feiras, dia de folga no restaurante que ela é sócia/trabalhadora e que quase sempre aproveita para um encontro com Ermelindo. A mãe, viúva há muitos anos, vivia no centro da cidade. Uma casa enorme que acabou por comprar quando recebeu a indemnização aquando da morte do marido por acidente de trabalho. Todas as segundas feiras a história era a mesma: “Filha, porque não vens viver comigo?” ”És filha única… eu não preciso desta casa tão grande… tão sozinha” …

Ermelindo continua a falar com aquela mulher… Cheia de ciúmes Dory sai daquele local rapidamente.

Ermelindo estava distraído a falar com a moça, e viu de relance a Dory a fugir daquele lugar. Fica indeciso... Será que vai atrás de Dory, ou continua na conversa que está a ter com a moça que ainda não sabe o nome?

Ele tenta levantar-se para ir ter com ela mas a moça pergunta-lhe porque se levanta, e ele diz que viu a moça que ia ter com ele a sair e pede-lhe desculpa. Ele sai a correr a ver se ainda apanha a Dory.

A Dory fugira tão rapidamente que nem mais sombra havia dela. Ermelindo ficou a coçar na cabeça... Já sabia que aí vinha uma cena daquelas... E pensou: "Bem... Deixa lá! Vou voltar para o bar!". Vira na volta e quem encontra mesmo ali quase nariz com nariz... Clarisse da Purificação! Quase perdia o pio, mas lá conseguiu balbuciar:

- Olá, prima Clarisse! Não a esperava aqui. Está tudo bem? Os gatinhos como vão?

- Está tudo bem. Tu é que não estás com muito boa cara rapaz. Que te aconteceu? Não me digas que estás assim por causa da festa de anos. Não tarda o dia 14 de Fevereiro e há que comemorar com uma festa rija. Afinal, trinta anos é só uma vez na vida... E ainda por cima é Dia de Namorados! E claro que a tua amiga também faz anos no mesmo dia que tu, mesmo que seja mais velhinha dois anos que tu... Não é mesmo?

- Oh, prima... Nem me fale nisso... Nem me fale...

E depressa se livrou de mais perguntas, com um "Até logo, prima, até logo"...

Depressa chegou ao bar mas até a moça simpática o abandonara. Estava sozinho e perdido numa confusão diabólica nas paredes do cérebro... Então, que fazer? Bebeu, bebeu, bebeu e não mais conseguia juntar capazmente o "D" com o "o"... "Do...ry... Do...ry..."

É fácil adivinhar que Ermelindo não se sustinha nas pernas altas, que desta vez estavam sem se conseguirem levantar sem o desastroso cambalear de um quase trintão.

Chamaram um táxi e lá foi Ermelindo atordoado rumo à sua moradia. Difícil foi perceber o nome da rua mas o taxista aos poucos conseguiu entendimento.

(continua)