Amarrotada na estrada! (3)
Estamos no dia 26 de Janeiro de 1998. A manhã até está bonita. Apenas naquela casa mora um silêncio aterrador. Ermelindo dorme profundamente. Os pais é que estão numa ansiedade medonha...
Antonino das Bicas, como era conhecido, mas seu verdadeiro nome era Belarmino Estrela. Belarmino, agora com 49 anos de idade, filho de uma família rigorosa onde o seu pai tinha sido militar de carreira, por detrás do seu ar autoritário e severo, deleitava-se com algum prazer e luxúria nos chats, local onde era mais conhecido por António ou Antonino das Bicas, este último porque ele tinha uma tristeza de morte de não morar numa zona da cidade que dá por esse nome. Até chegou inclusivamente, a ter um pequeno caso on-line.
Ele sabia que o filho também navegava na net, ou não fosse ele um entusiasta do meio e o primeiro a ter ensinado-o. No momento em que a sua esposa e concubina lhe lera a carta, lá no fundo do túnel acendeu-se uma pequena luz. Em tempos o seu filho tinha-lhe apresentado uma amiga, mais velha cerca de 10 anos é certo, mas não deixava de ser amiga por isso. O pior foi o brilho nos olhos dela quando viu o pai dele.
Essa amiga, de nome Eugénia, tinha uns olhos de um azul profundo que transmitiam paz, calma e amor, coisa que nunca tinha visto nos olhos da sua mulher. Pudera, tinha sido um casamento de conveniência, como tal, essa sensação até esta altura tinha sido apenas uma miragem.
Ermelindo conhecido nos chats como o "cupido" nasceu no dia 14 de Fevereiro de 1968. Estava à beira dos trinta anos e seus pais planeavam uma festa de arromba. Belarmino já fizera os seus 49 anos no dia 15 de Janeiro e D. Belmira fizera 52 no dia 5 deste mesmo mês. Houve festa animada para os dois. Agora convinha preparar a do filho e juntar também as amigas prediletas, em especial, a Dory que nascera no mesmo dia de Ermelindo mas do ano de 1966. Completaria assim os seus 32 anos.
Claro que seria convidada também a prima imigrante, Clarisse da Purificação, que nascera a 17 de Janeiro de 1948. Nesta data já completara os cinquenta anitos. Esta mulher voltara da Suíça com uma avultada fortuna e numa tristeza profunda. É que ela apanhou o marido na cama com outra e tratou de limpar-lhe o sebo e a fortuna e regressou para a sua terra... Nem mais! Só se sabia, pela consternação fingida dela, que o marido tinha tido um ataque cardíaco. Vestia-se toda negra, coitada! A dor era tal que os gatinhos é que a animavam nas horas de infelicidade, eram a sua companhia... Só que ela tinha um segredo, que nem os gatos sabiam...
Belarmino, como já se disse, era adepto dos chats, ainda que a sua mulher nem desconfiasse, já que quando se falava no assunto, na cumplicidade com o filho, ele nada sabia nem fazia intenção de perceber.
Foi numa destas conversas que ele conheceu a Eugénia, aliás, conhecida no meio por Kamala. Kamala, para quem não sabe é a mulher que leva Sidarta (o Buda de Herman Hesse) a deixar de buscar o Nirvana, sua elevação espiritual para viver dias de glória e conhecer o amor carnal... o delicioso amor carnal.
Assim, conversa puxa conversa e começaram a falar a sós no MSN.
Eugénia, nas suas conversas tidas com o Belarmino, dava jus ao nick escolhido. Toda ela transpirava sensualidade, desejo, ardor, paixão e isso, era o que Belarmino queria sentir nos seus braços, no calor dos lençóis de uma cama.
Belarmino começava a passar cada vez mais tempo no seu trabalho para poder falar mais com ela. Dia para dia, o trabalho aumentava, dizia ele à sua mulher, até houve alguns dias em que o seu colega de trabalho tinha estado doente, e como tal, tinha ficado tudo para ele, originando que chegasse a casa perto da meia-noite, mas nada que a mulher desconfiasse, já que ele sendo inspetor do SEF, por vezes isso acontecia.
No meio dessas conversas, picantes por vezes, o “nosso” Antonino das Bicas, dava-se conta que devia conhecê-la, não sabia era de onde ou quem seria mas, podia ser só impressão sua. Aos poucos a sua vida foi sendo posta a nu ali para ela e ela, também se ia abrindo para ele, sobre a sua vida, os seus sentimentos, os seus anseios ou as suas dúvidas.
Um belo dia, ela sugeriu terem sexo ali.
- Sexo aqui? - Perguntou ele.
– Sim, virtualmente falando, meu querido Antonino. Conversamos como se estivéssemos juntos. É tão fácil e aguçará o teu apetite por dias melhores.
É claro que ele não se fez rogado, começou logo com outras palavras, mais ousadas é certo, até que ela lhe disse:
- Espera! Vou-te fazer uma surpresa. – Disse ela.
Qual não foi o seu espanto, quando uma mensagem apareceu no seu monitor a pedir para aceitar um convite para adicionar uma webcam.
Afinal, meses passados, ela resolveu revelar-se – Pensou ele. Aceitou, como seria de esperar.
Quando começou a ver a primeira imagem, o seu coração rejubilou de alegria, porque aqueles olhos de um azul profundo que transmitiam paz, calma e amor, coisa que nunca tinha visto nos olhos da sua mulher, eram olhos conhecidos.
São os olhos da Eugénia – pensou.
- Eugénia? – Perguntou.
Depois de um longo silêncio, apesar do frenesim no teclado de cá para lá e de lá para cá, onde realmente, mesmo à distância, houve amor, paixão, ardor e, porque não dizê-lo tesão, com imagens insinuantes e provocantes ela respondeu a essa pergunta.
- Sim, sou eu.
Cansado dos dedos, perguntou-lhe:
- Então, porque nunca te identificaste?
- Porque desde que o teu filho nos apresentou, fiquei sempre a pensar em ti mas, tinha receio que ao saberes quem eu era, não mais quisesses falar comigo ou, chegar ao ponto que chegou. E agora que sabes quem sou o que me dizes? – Perguntou ela.
Belarmino, que também nunca tinha esquecido esses olhos, fetiche para ele, ficou sem saber o que lhe dizer. Na sua mente mil e uma imagens passavam à velocidade da luz. Pensava no que diria o seu filho, já que ele é que os tinha apresentado. Pensava naquelas curvas insinuantes que tinha visto no monitor, e na vontade desalmada que tinha em a possuir num vale de lençóis de cetim numa noite de lua cheia. Pensava na sua mulher, que para além da roupa e da comida, deixava a desejar um pouco. Pensava, pensava, pensava...
- Não me respondes? – Perguntou a Eugénia.
- Vou ter que pensar um pouco, a sério que sim. Não estou a fugir, nem tão pouco a dar-te um fora, mas preciso de tempo para assimilar isto tudo. A realidade e a virtualidade da situação, compreendes-me, não compreendes?
- Claro que sim... Belarmino posso tratar-te pelo verdadeiro nome agora, não posso? Depois de uma pausa respondeu:
- Sim, claro que sim, já não faz sentido o inventado.
- Olha, Belarmino, quero que saibas que não tenho estado a brincar contigo, a sério que não. Também quero que saibas que entre mim e o teu filho, nunca houve nada nem tão pouco irá saber o que quer que seja daqui, aliás, soube o teu nick, não por ele, mas sim por um colega teu, aquele que faleceu há meses atrás no aeroporto. Dou-te uma semana para me dizeres algo, achas razoável?
- Sim, acho. Um beijo então.
- Outro, agora na boca... rss – respondeu ela.
(Continua)