«Folhetins de Fagundes Duarte - de 1 a 688», um dia quem sabe...
FOLHETIM (688)
LUÍS FAGUNDES DUARTE
Ite, missa est
Durante os últimos catorze anos colaborei com estes folhetins, ininterruptamente - salvo em tempos de férias, ou aqui e ali quando os afazeres mo não permitiram-, no "Diário Insular". Neles, falei de política, de pessoas, de acontecimentos. Para eles, recorri às minhas experiências, aos meus conhecimentos, às vozes do povo. Por causa deles, abdiquei de outras actividades, de horas de sono, do convívio familiar. Com eles, cheguei a muitas centenas de pessoas, que por esta via me ficaram a conhecer.
Porém, chegou a altura de parar: é preciso saber-se quando se deve sair de cena.
Estes catorze anos coincidiram com os doze em que fui deputado, e com os vinte meses em que fui secretário regional. Se, no exercício das primeiras funções, o ter colaboração fixa em órgãos de comunicação social escrita era considerado normal e até útil - houve e há outros deputados que o fazem -, o mesmo já não aconteceu com o exercício das segundas: muita gente achou que eu, sendo membro de um governo, deveria ter interrompido a minha colaboração pessoal com os jornais; e estou mesmo convencido de que o facto de o não ter feito terá contribuído, por várias razões que me dispensarei de enunciar, para a minha demissão. Entendi, no entanto, que ser membro do governo não tira a capacidade de pensar de um homem, não o pode castrar, e sobretudo não lhe pode retirar a condição de homem livre.
Continuei a escrever - ou seja, a emitir opiniões e a exprimir emoções - enquanto fui secretário regional, e contra todas as normas do politicamente correcto, pelas mesmas razões por que o fazia de antes (e recordo, a quem o não saiba, que comecei a escrever em jornais de circulação nacional no início dos anos de 1980): porque me apeteceu. A quem agradou, agradeço: ter-lhes-ei sido útil; a quem não agradou, agradeço igualmente: foram-me úteis.
Por definição, as duas margens de um rio nunca se tocam. E no entanto, durante todos estes anos eu estive com um dos pés em cada uma das margens de um dos rios que correm pela minha vida - e a minha vida, pessoal e profissional, vai muito mais além do que fui e do que fiz nos dezoito anos em que estive na política activa -: o pé esquerdo na margem direita, e o pé direito na margem esquerda.
De cara a montante e de costas a jusante.
Porque foi assim, preocupado em conhecer as origens dos problemas e das situações de que me ocupava e não com a minha sobrevivência como político - e por isso me orientava para a nascente - que me assumi. Só conhecendo a origem do rio, e os seus acidentes de percurso até ao local onde o observamos, se pode saber porque é que ele às vezes seca, porque é que às vezes corre violento e outras calmo, e porque é que, também às vezes, transborda.
O meu rio transbordou.
Durante estes anos de política deparei-me com muitos problemas - uns que tinham a ver com as fraquezas e as forças das pessoas, outros com casos de polícia. Conheci muita gente: valentes e cobardes, seguros e inseguros, honestos e desonestos, verdadeiros e hipócritas.
Conheci lutadores e ratos de navio.
Conheci gente que me apoiou, e gente que me atraiçoou; uns, muitos, que foram meus amigos enquanto nas suas ficções pessoais eu podia constituir uma mais-valia, e que me escarneceram quando descobriram que eu já de nada lhes serviria - e outros, poucos, que continuam a honrar-me com a sua amizade. Aos primeiros, respeito-os - acreditando que o tempo dirá de que lado está a razão e a verdade; aos segundos, afianço que permaneço o mesmo, e que continuarei a escrever o que quiser, e onde e quando me apetecer - porque sou um homem da palavra.
A todos eu conheço o nome.
Não farei minhas as palavras que o evangelista Lucas (9:5) colocou na boca de Jesus dirigindo-se aos Apóstolos - até porque soaria a sacrilégio: "Se nalguma terra as pessoas não vos quiserem receber, quando saírem de lá sacudam o pó dos pés". Não sacudirei o pó das sandálias com que percorri todas as nossas ilhas, até porque a terra que servi é minha de direito próprio: foi nos Açores que nasci e fui criado. Sou açoriano, doa a quem doer.
Por isso, neste momento pensado, apenas direi: "Ite, missa est" - que em vulgar significa: "Ide, chegou a hora da despedida".
Como na Sapateia.
Fonte: DI. DOMINGO 16.NOV.2014. Transcrição completa.
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Nota da minha autoria: Rosa Silva, açoriana, terceirense, serretense e, atualmente, sancarlense.
Para quem me conhece escusado será escrever que o meu gosto é mais pela rima, sobretudo porque me faz feliz. Hoje escrevo em prosa corrida, assim por aí abaixo até completar alguns parágrafos, espero.
Depois de ler e reler o Folhetim 688, sinal de que nos catorze anos de escrita de Luiz Fagundes Duarte, conterrâneo, nascido no mesmo território que eu, deve ter escrito, por ano, uns quase cinquenta dos tais intitulados “Folhetim”.
Alguns li, outros reli, outros ri, outros emocionei-me, outros menos, outros mais, outros não lhe coloquei os olhos nem os sentidos, outros, ainda, guardei para memória minha, ora em cópia do jornal ou o próprio jornal.
Com a moda das redes sociais em tecnologia moderna, muitos dos “Folhetim” li-os através do ecrã minúsculo do telemóvel. Cheguei a comentá-los com a celeridade de escrita a que as teclas me impelem, tal como os sentimentos.
E agora?! Onde ir buscar a doçura das palavras, a sabedoria da escrita, as farpas que algumas contém, mesmo que não sejam com o objetivo de causar ferimentos graves, onde ir buscar o ímpeto de resposta imediata como que a abraçar o conteúdo de alguém que já escreveu sobre mim de uma maneira que ficou lavrada em livro, o meu primeiro… Onde? Onde? Poderia continuar a discorrer frases de inquietação e busca de justificação para o agora terminado “Folhetim”… Auguro que germinem novas crónicas com o bom saber das escrituras sobre tudo e mais alguma coisa, como a gente gosta, e eu gosto.
Caro “vizinho”, amigo, não me coloque jamais nos oportunistas, não me coloque jamais nos que balbuciam palavras menos boas a seu respeito. Da sua vida pessoal quase nada sei nem preciso saber. Da sua vida profissional sei o que se publica, quer em papel quer em vias tecnológicas. Uma coisa apenas e agora lhe digo e oxalá lhe chegue ao olhar, aos ouvidos, ao coração: sempre gostei de saber que era açoriano, terceirense, serretense e que domina a língua portuguesa por todas as juntas. Ainda mais quando escreve como a nossa gente fala, tal e qual.
Prof. Dr. Fagundes Duarte não importa o seu credo mas creio que, para mim, será sempre um nome a figurar na nossa alma serretense que vai muito além da ilha, das ilhas.
Bem-haja por tudo o que escreveu e deu ao mundo. Agora fico à espera de uma coletânea intitulada: «Folhetins de Fagundes Duarte - de 1 a 688».
Angra do Heroísmo, 17 de novembro de 2014.