Sismo de Oitenta (aos 45 anos)
1
Ponto alto de habitação,
Na Serreta freguesia:
Vi tudo em ondulação...
Gritei tanto... ninguém ouvia.
2
Tanto que me vi à rasa
Com um frio de rachar
Vestida no meio da casa
Com medo e sempre a rezar.
3
Avó, pai, mãe e irmã,
Titios (primos antigos),
Sem luz até de manhã,
Tão à prova dos perigos.
4
As notícias, boca-a-boca,
Chegavam da redondeza;
A lágrima não foi pouca
Pela Zita... em pedras presa.
5
E a mãe de duas filhas,
E a Aida dos Altares...
Foram chegando as partilhas,
De tristezas em tantos lares.
6
Não ia a lado algum,
Tinha a frieza constante,
Até ao WC comum
Levava a acompanhante.
7
Minha madrinha do Crisma,
Era sempre a contemplada...
E eu sempre numa cisma,
Medrosa por tudo e nada.
8
Minha mãe era doente,
E continuou a ser,
Ao hospital foi presente,
No Liceu a foram meter.
9
Óh! Não tardou, fez-se voltar,
Por não ser uma urgência,
Quando o táxi ouvi chegar:
Alegrei-me! Óh Providência.
10
Liceu, semi-hospitalar,
Pra doentes intermédios,
Os urgentes, a bradar,
Internados com remédios.
11
Descansem os falecidos,
No reino da eterna glória,
Mais sorte prós renascidos
Que seguiram na história.
12
E perdoem fugir à norma,
Da escrita em boa prosa,
Mais tarde foi esta a forma:
Rima?! Grande ajuda à Rosa.
13
Pós sismo, foi profissão,
Aos dezoito anos de idade,
No Gab. de Reconstrução,
Que ajudou a Comunidade.
14
Da falecida dos Altares,
Depois casei com o irmão,
Pós alguns anos nesses ares,
Mudei para Angra então.
15
Três filhos, minha alegria,
Meu orgulho e descendência,
Do ex-falecido, um dia,
Restou?! Paz em evidência.
16
Quarenta e cinco passados,
Os anos que contam agora,
Jamais por mim olvidados,
Os terrores da má hora.
17
"Eram vinte para as quatro, nos Açores,
Quando tudo aconteceu,
Era dia de Ano Novo, nos Açores,
Quando a terra estremeceu"...
18
Ouvi canção tanta vez,
Com rubra dor presa ao peito,
E garanto a todos vocês,
Que ela ainda faz efeito.
19
Deus proteja em linha reta,
E a Sua Santa Mãe,
O destino da minha neta,
Mais os que destino têm.
20
Pai, Filho, Espír'to Santo!
Me benzo, neste jardim,
Que do tanto que foi pranto,
Renasceu de Amor sem fim!
21
É um Amor intermitente,
Que nos chaga desde outrora,
Tem morrido tanta gente,
E nascem poucos agora.
22
Faço vénias, em geral,
Aos que tanto trabalharam,
E ao forte pessoal
Que mais lágrimas secaram.
Rosa Silva ("Azoriana")